Pesquisa mostra que em 2020 houve redução de 41% na taxa de cobertura da mamografia em mulheres de 50 a 69 anos no SUS, o que eleva risco de mortalidade pela doença. Foto: cottonbro studio/Pexels
Ao forçar suspensão de mamografias, crise sanitária atrasou tratamentos e fez aumentar custos com quimioterapia no SUS. Cerca de um milhão de exames deixaram de ser feitos
Com a pandemia de Covid-19 e a sobrecarga no sistema de saúde brasileiro, mais de um milhão de mulheres deixaram de realizar mamografia no ano de 2020, o que levou a um aumento de cerca de R$ 129 milhões com os custos de tratamentos quimioterápicos na rede pública. Os dados foram revelados em artigo publicado no BMC Health Services Research, periódico da Nature. O estudo analisou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) entre o período de 2017 e 2021.
Segundo o artigo, em 2020, houve redução de 41% na taxa de cobertura do rastreamento de câncer de mama, isto é, na realização de mamografias em mulheres de 50 a 69 anos de idade. Isto significa que, aproximadamente, um milhão de exames como este – que tem o objetivo de fazer a detecção precoce da doença, aumentando as chances de cura com o tratamento – deixaram de ser realizados no primeiro ano da pandemia.
O rastreamento do câncer de mama contribui para reduzir o número de mulheres com o diagnóstico de doença avançada, a mortalidade e os custos no sistema de saúde. No Brasil, ele é realizado com mamografia bilateral a cada dois anos nas mulheres com idade entre os 50 e 69 anos.
Em 2020, o custo total desse rastreamento teve redução proporcional ao número de exames realizados, correspondendo a um valor de R$ 67 milhões a menos. Em compensação, na mesma época, os custos com tratamento quimioterápico aumentaram tanto para doenças avançadas (já espalhadas para os tecidos mais profundos da mama ou outros órgãos) – passando de R$ 438 milhões para R$ 465 milhões –, quanto nas doenças localizadas (limitadas ao órgão) – de R$ 111 milhões para R$ 113 milhões.
Ou seja, no primeiro ano da pandemia, a cada R$ 1,00 gasto no SUS com mamografia, foram gastos R$ 8,62 em quimioterapia para o câncer de mama – sendo R$ 1,68 com doenças localizadas e R$ 6,94 com doenças em estágio avançado.
Um dos autores do artigo, o pesquisador e médico do trabalho na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Adriano Hyeda, explica que o câncer de mama é classificado como uma doença localizada ou avançada dependendo das características apresentadas no diagnóstico.
“Um câncer de mama localizado significa dizer que a doença está limitada ao órgão, que tem habitualmente um tamanho pequeno e que não invade os tecidos profundos da mama. Já o câncer de mama avançado indica que a doença cresceu e se espalhou para os tecidos mais profundos da mama, para os linfonodos e até mesmo para outros órgãos – processo conhecido como metástase”.
O estudo ainda identificou que, mesmo após o auge da pandemia de Covid-19, há uma tendência de queda no rastreamento do câncer de mama e de seus custos diretos e, consequentemente, uma propensão ao aumento nos custos de quimioterapia para doenças avançadas, além da queda nos custos de quimioterapia para doenças localizadas. Isso significa que mais mulheres não estão realizando os exames periódicos para esse fim e estão chegando aos estágios mais complicados da doença.
Até o final do estudo, julho de 2021, não houve uma recuperação eficiente do rastreamento do câncer de mama para alcançar a mesma tendência observada antes da pandemia.
“Esse resultado é preocupante e demonstra a importância de promover uma expansão do programa de rastreamento no câncer de mama no sistema público de saúde do país, como uma estratégia para aumentar a detecção precoce da doença e, por consequência, reduzir os custos com a doença avançada”, afirma Hyeda.
Custo com tratamento do câncer de mama é dos mais elevados
Segundo artigo publicado no periódico A Cancer Journal for Clinicians, o câncer de mama é a neoplasia maligna mais comum no mundo (excluindo o câncer de pele não melanoma), com uma estimativa de 2,3 milhões de novos casos por ano. Isso representa 11,7% de todos os casos globais de câncer.
No Brasil, conforme o Instituto Nacional de Câncer (Inca), foram estimados 66.280 novos casos de câncer de mama em 2021, acometendo cerca de 61 a cada 100 mil mulheres.
O custo do tratamento com a doença, que já é um dos mais elevados no SUS – chegando a 15,8% do gasto total com todas as neoplasias – torna-se três vezes maior quando a enfermidade é descoberta em estágios mais avançados. Por isso, o diagnóstico precoce do câncer de mama é fundamental tanto para o controle da doença, quanto para a redução de seu impacto social e econômico.
Hyeda esclarece que o tratamento da doença localizada tem altas chances de cura e menor custo e é, habitualmente, conservador – com retirada de apenas um segmento da mama, com ou sem radioterapia ou quimioterapia complementar, dependendo de cada caso.
“Já o tratamento da doença avançada é complexo e com maior custo, muitas vezes com necessidade da retirada total da mama e do uso de radioterapia e quimioterapia. Sendo assim, uma falha no diagnóstico precoce do câncer de mama pode aumentar os casos de doença avançada e, por consequência, aumentar os custos com o tratamento”.
A publicação reforça a importância de um planejamento de ações no sistema público de saúde para garantir a manutenção da atenção à saúde da população mesmo em situação de sobrecarga nos serviços, em razão de uma pandemia, por exemplo.
Câncer de mama é 40% menos letal quando diagnosticado precocemente
O médico mastologista e professor do Departamento de Tocoginecologia da UFPR, Hélio Rubens de Oliveira Filho, explica que a mamografia consegue identificar lesões a partir de um milímetro, enquanto o autoexame e o exame clínico são capazes de perceber lesões a partir de 1,5 a dois centímetros. “Só por aí já podemos ver a diferença de quão mais precoce conseguimos fazer o diagnóstico com a mamografia”.
As lesões menores, identificadas pela mamografia, têm uma chance muito menor de evoluir para metástase e, consequentemente, o tratamento para esse tipo de lesão é menos agressivo.
“Muitas vezes a paciente só precisa fazer cirurgia, sem a necessidade de quimioterapia. Nesses casos, temos taxas de cura que superam os 95%”, revela Oliveira Filho.
Por outro lado, quando o diagnóstico é realizado em lesões já com cerca de dois, às vezes quatro centímetros ou até com linfonodos palpáveis, o tratamento envolve procedimentos muito mais agressivos e mutiladores. “No estadiamento mais avançado, é necessário realizar cirurgias maiores, mastectomias [retirada total da mama], quimioterapias muito pesadas e, apesar de todo o tratamento, às vezes o desfecho clínico não é favorável”.
O mastologista, que também é fundador do Portal Câncer de Mama Brasil e de uma startup que atua com inteligência artificial na prevenção de neoplasias, reforça que o diagnóstico precoce tem fundamental importância para aumentar as chances de cura e diminuir a agressividade e a complexidade do tratamento.
“Estudos mais recentes mostram que a diminuição de mortalidade específica por câncer de mama chega a 40% nas mulheres que realizam o exame de mamografia de rastreamento de forma periódica, se comparado àquelas que não fazem o procedimento”.
Apesar de o Ministério da Saúde e o Inca recomendarem o rastreamento com mulheres de 50 a 69 anos de idade a cada dois anos, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) e a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) indicam a realização desse exame anualmente em mulheres a partir dos 40 até os 74 anos de idade.
“Consideramos a estratégia desses últimos órgãos mais interessantes pois, atualmente, no Brasil, mais de 30% dos novos casos de câncer de mama são registrados em mulheres com menos de 50 anos de idade”, salienta OIiveira Filho.
Como estratégia de prevenção primária, para prevenir o surgimento tanto de câncer de mama, como de qualquer outro tipo de câncer ou doença crônica não transmissível – a exemplo de diabetes e hipertensão – os médicos recomendam manter um estilo de vida saudável.
“Estar dentro do peso adequado, não beber, não fumar, praticar atividades físicas, ter uma boa qualidade de sono e uma alimentação saudável. Mulheres com esse estilo de vida apresentam 30% menos chance de desenvolver câncer de mama. Não existe nenhum medicamento, nada que se compare a essa taxa”.
O mastologista também lembra que pessoas com histórico familiar importante, que tenham dois familiares próximos com câncer de mama, devem consultar um profissional para saber exatamente quando devem começar os exames de rastreamento.