Ideia é que suplentes exerçam mandato junto com a titular decidindo pautas por consenso
A ex-deputada Rosane Ferreira (PV) lidera uma inédita candidatura coletiva ao Senado no Paraná nas eleições deste ano. A ideia é que, se eleita, ela exerça o mandato junto com as suas duas suplentes: a assistente social Elza Campos (PC do B) e a professora e sindicalista Marlei Fernandes, decidindo conjuntamente, e por consenso, as pautas que defenderão no Congresso.
Entre as propostas delas estão a ampliação da representação feminina na política e o investimento em educação, com foco na redução das desigualdades sociais. Em entrevista ao Bem Paraná, elas explicam mais sobre essa experiência e admitem que um dos desafios será explicar e angariar o apoio do eleitorado a essa nova forma de atuação política.
Bem Paraná – Porque vocês decidiram lançar uma candidatura coletiva?
Rosane Ferreira – O desafio é aumentar a nossa representatividade. Sou filiada ao PV desde 99. Meu único partido. Fui deputada estadual, federal. De formação sou enfermeira, especialista em saúde pública. Hoje o grande desafio, no meu ponto de vista…A democracia nem se discute. Assegurar a democracia é a base de tudo. Mas o grande desafio é diminuir as desigualdades sociais. Investir maciçamente em educação. A gente sabe que todas as sociedades organizadas, a educação foi primordial para conseguir o desenvolvimento. Estar junto com Elza Campos, uma assistente social. Marlei Fernandes, uma educadora. É aumentar o alcance das nossas ações.
Marlei Fernandes – O desafio no Paraná também é que nós temos a representação no Senado basicamente masculina há muitos anos. O atual senador (Alvaro Dias) está há mais de vinte anos no Senado. Primeiro, a expectativa de se ter mulheres representando o Paraná no Senado. E que essas mulheres representam o aspecto central das políticas públicas do País e no nosso Estado. A coletividade, nesse momento, é levar as políticas públicas ao alcance da população paranaense representando esse coletivo.
Rosane – Há muito a gente escuta, somos a maioria da população, somos a maioria do eleitorado. Estamos na 150º lugar na representação feminina na política. Acho que estamos dando para a sociedade para mudar esse quadro de coisas.
Elza Campos – Acho que concordando que nós temos novidade nesse pensamento, nessa compreensão dessa defasagem não só na representação das mulheres em espaços de poder. Essa é uma situação histórica no País, infelizmente, que as mulheres no parlamento, nos movimentos sociais têm apontando a necessidade dessa mudança na sociedade. Quando a gente fala que a democracia é condição sine qua non, para inclusive a vida das pessoas e das mulheres, isso quer dizer que para termos democracia precisamos ser representadas nesse espaço. O Senado é um espaço, em um diagnóstico maior de quanto é pouca a representação. A maioria é de homems, brancos e ricos. E nós, que representamos, três mulheres com essas profissões e com uma ligação muito forte com as mulheres da vida cotidiana, periférica, negras, indígenas. Temos muita identidade no sentido que não queremos representar. Nós entendemos que elas precisam ter esse espaço. No sentido de que aquelas mulheres também se façam representar nesse espaço que é tão distante. E de realmente efetivar políticas maiores, centrais, do Estado brasileiro. As políticas do governo Requião e apoiar as políticas do governo Lula. A segurança alimentar nutricional, saúde.
MANDATO A TRÊS
‘Desafio é fazer com que as pessoas entendam a proposta’
Bem Paraná – Esse formato de mandato coletivo ainda pouco conhecido do eleitorado. Vocês acham que o eleitor está preparado para isso?
Rosane Ferreira – Estávamos discutindo isso: como fazer que haja compreensão. O nosso desafio é fazer com que as pessoas entendam isso que nós propomos. Com relação ao Senado, eu estou até um pouco assustado com o distanciamento que o Senado tem da população. Quando eu pergunto, as pessoas perguntam desde quantas vagas são. Elas nem sabem o que faz o Senado e a importância desse voto para essa Casa revisora. E junto com a Câmara fazem nosso Congresso, e hoje, particularmente nesse momento em que nós vivemos conduzem o nosso País de uma forma desastrosa como estamos vendo agora. Nós temos que começar explicando a importância do Senado. Eles não sabem quem são os suplentes que lá estão. Geralmente você tem uma suplência de alguém para sustentação financeira. Isso não aplica nessa situação. A alternância não se faz. A suplência espera o dia de assumir e muita vezes esse dia nunca chega. A nossa é uma outra proposta. É fazer o enfrentamento dos problemas do Paraná e do Brasil juntas.
Marlei Fernandes – Para nós também é um desafio colocar, nesse momento, uma expectativa de um mandato coletivo que tem a Rosane como a candidata principal e as duas suplentes. Também é um desafio de mostrar para a sociedade que é possível trabalhar juntas. É possível traduzir a política do Senado para o povo paranaense com três mulheres que têm um jeito diferente de fazer política, porque as mulheres têm um jeito diferente de fazer política. E nós temos também o desafio de traduzir esse jeito diferente de fazer política para o povo do Paraná.
BP – Vocês pretendem fazer algum tipo de rodízio?
Rosane – A ideia é estarmos juntas do começou ao fim.
Marlei – Não necessariamente vamos fazer um rodízio.
BP – Mas do ponto de vista legal você tem que ter um titular.
Elza – A titular é a Rosane.
Rosane – Isso (rodízio) pode acontecer dependendo das situações que vão acontecendo. Mas em princípio, nós vamos juntas para o Senado do início ao fim do mandato. Discutindo juntas as grandes pautas brasileiras.
Elza – As suplências que estão com a Rosane estarão juntas a todo momento. Diferente do modo tradicional que o suplente só entra no impedimento do titular. No nosso caso, nós nem estamos pensando em entrar. Nós queremos a Rosane como representante lá. Então estaremos juntas construindo e debatendo o mandato, diferente dos outros que nunca são chamados para nada. É buscar trazer esse modo diferente de construção, elaboração coletiva. É um pouco difícil porque a gente está viciado em um processo histórico do País que a participação popular.
CONGRESSO
‘Temos que mostrar a importância do voto para o Senado’
Bem Paraná – A política, no Brasil, é personalista. Fala-se que o eleitor não vota em partidos, mas em candidatos. Isso não pode dificultar?
Elza Campos – Vai votar na pessoa. Vai votar na Rosane. Vai votar na Marlei e na Elza.
Marlei Fernandes – A Rosane vai assumir e nós vamos estar na política coletivamente.
BP – Vamos supor que vocês eleitas, tenham que decidir um voto e haja divergência como vai ser decidido?
Elza Campos – No movimento de mulheres, o que a gente faz? Quando tem uma proposta a gente não voto. Vamos chegar a um conseso. Demora, às vezes, mas a gente consegue.
Marlei – A gente tem mais consenso.
Rosane – Nós não estaríamos aqui se não tivéssemos afinidade ideológica. O PT e o PC do B são aliados históricos. Na minha caminhada política, eu sempre estive junto com o PT, embora sempre fosse filiada ao PV. A primeira eleição que eu disputei era PV, PT fazendo a diferença em 2000, antes do Lula ter mandato. Não foi o partido que disse: ‘será a Rosane, Marlei e Elza’. Fomos nós que que construímos a nossa caminhada dentro dos nossos partidos que compõem a Federação Brasil Esperança.
BP – Vocês pretendem, se eleitas, propor uma regulamentação dos mandatos coletivos?
Rosane – Nós vamos mostrar que isso vai dar tão certo que essa regulamentação vai ser o desejo de todos. Não só nosso.
BP – As pesquisas mostram uma polarização entre Alvaro Dias e Moro na disputa pelo Senado no Paraná. Como vocês pretendem quebrar essa polarização?
Rosane – Mostrando que dá para fazer diferente do que está sendo feito. Eu fico buscando nos nossos concorrentes alguma marca, alguma coisa que diga se vale a pena mantê-los ou elegê-los, eu não consigo. Eu acho que é isso que nós temos que mostrar. A importância do Senado, as questões de desigualdade. A campanha esta aí. É uma campanha curta. Nós temos que mostrar a importância desse voto. As pessoas centralizam muito as coisas no Executivo, e o resto é acessório. Nós temos que mostrar que é outro poder, e a gente tem o poder de mudar as coisas. Fiscalização do orçamento. Isso não dá para ficar fazendo cara de paisagem com todos os problemas que temos.
Elza – Esses candidatos são utilizam, inclusive, a nossa linguagem, a nossa luta. Agora estão falando muito sobre a fome, a miséria, as mulheres. Sendo que se a gente fizer um levantamento histórico de seus mandatos, você não vai encontrar quase nada. A diferença, não só porque é novo no sentido da proposta de um Senado mais popular, ligado à população, às mulheres, é porque a gente já tem uma histórica concreta, de trabalho, de construção. A gente vai procurar mostrar isso.
REPRESENTAÇÃO FEMININA
‘As mulheres são mais exigidas’
Bem Paraná – O Brasil teve alguns avanços, nos últimos anos, em relação às mulheres na política. As cotas de candidaturas. A resolução do TSE sobre o repasse de recursos do fundo eleitoral a elas. O que vocês acham que precisa avançar mais ainda?
Elza Campos – Houve todo uma luta das mulheres, das parlamentares, por uma reforma política como foi feito em outros países da América do Sul: Uruguai, Argentina, que concedeu cadeiras às mulheres. Aí muda. Hoje, só com essas propostas, elas avançam, as cotas, mas enquanto a gente não tiver paridade. Nós queremos chegar à paridade de 50% (das cadeiras para as mulheres no Legislativo).
BP – Vocês acham que o mundo político está pronto para essa discussão?
Marlei Fernandes – E se não tiver nunca, nós não vamos fazer nunca?
Rosane Ferreira – Eu vou mais além. Eu acho que nós temos que mostrar trabalho e fazer com que as mulheres entendam a importância da participação na política. Nas escolas somos maioria absoluta. Na saúde. Nós temos que mostrar as mulheres, com os nossos mandatos, que a política tem que ser feita. Nós temos que decodificar a fala político-partidária, levar para as mulheres a importância disso, e fazer com que elas confiem e estejam presentes protagonizando. Hoje nós temos cota de 30%. Mas a gente sabe que quando as mulheres têm condições de igualdade, recursos, tempo de TV, rádio, a efetivação dos mandatos acontece. Não dá para ser só cota.
BP – O que vocês acham daquela suposta máxima de que “mulher não vota em mulher”, ou “mulher é mais competitiva”?
Elza – Isso é uma cultura que foi imposta históricamente, patriarcal, que foi colocada na sociedade, no sentido do mando, da direção, dos espaços. É claro que esse tipo de cultura perpassa o pensamento da sociedade. No entanto, nós que atuamos no campo da colhida, do cuidado, e no contexto da violência contra as mulheres, as crianças, eu percebi o quanto as mulheres acolhiam, em uma perspectiva de sororidade. Eu acredito em uma sociedade que tenha solidariedade, e que a gente possa construir outro processo. Mulher vota em mulher e em mulher que tem a perspectiva de fazer mudanças. Porque não adianta só votar em mulher. Muitas mulheres, infelizmente, representam os homens. O pensamento do homem, machista.
Marlei – Nós queremos quebrar esse paradigma. Que mulher vota em mulher. As mulheres competem? Competem porque sempre têm que demonstrar que são capazes. Homens não competem entre si?
Rosane – Quantos mandatos têm a Luíza Erundina? A Jandira Feghali? E é o eleitorado feminino. Porque elas votam? Porque se sentem representadas por essas mulheres. Nós precisamos na nossa liderança mostrar confiança. As mulheres têm que se sentir representadas. Eu não digo que tem competitividade entre as mulheres. Eu não enfrentei esse tipo de problema nem na Assembleia Legislativa, nem na Câmara Federal. O que existe é uma auto exigência. A gente se exige mais. Ela se prepara, inclusive, para outras mulheres. É mais exigida. Nós tivemos já uma mulher senadora (Gleisi Hoffmann), uma mulher presidente. Nós estamos prontas, inclusive, para enfrentar essa exigência.
Fonte: Bem Paraná