Falta de dados oficiais centralizados sobre violência contra a mulher é um dos problemas apontados por especialistas
Tereza Nelma acrescentou que a disparidade salarial, a subocupação, a dupla jornada de trabalho e a desvalorização do trabalho doméstico também são formas de violência contra a mulher, além da violência política.
Visão do governo
Representante da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Leila Brant Assaf destacou que 70% das vítimas de feminicídio sequer procuraram registrar ocorrência ou ingressar na rede de proteção para vítimas de violência contra a mulher. “Precisamos que a mulher confie e busque a proteção do Estado”, salientou. “Um dos maiores desafios da Lei Maria da Penha é que a mulher conheça a rede de proteção que está disponível para ela”, opinou.
Ela observou, porém, que é preciso fortalecer essa rede de proteção, especialmente no interior do Brasil, e concorda que é baixo número de varas especializadas e de delegacias especializadas de atendimento à mulher. De acordo com a representante do governo federal, Acre, Alagoas, Piauí, Sergipe e Santa Catarina possuem apenas uma vara especializada.
Além disso, Leila Assaf chamou a atenção para a falta de capacitação dos profissionais que atendem as vítimas de violência contra a mulher. “A maioria dos cursos de formação dos profissionais de segurança pública não têm formação específica para a violência contra a mulher”, apontou. Conforme ela, a secretaria desenvolve campanhas e cursos de capacitação para os atores da rede de proteção.
Cobrança de responsabilidade
“Nós nos perguntamos de quem será a responsabilidade para essa política pública?”, questionou a deputada Tereza Nelma. “Precisamos imediatamente de uma resposta de execução efetiva”, disse. “Se você fala em delegacias, vou ao Ministério da Justiça, ele diz que é o estado, se eu vou ao estado, ele diz que não tem recursos. Se você fala de vara especializada e eu vou ao CNJ, ele diz que não tem recursos”, ressaltou.
“Quem tem a caneta e o poder de fazer não faz”, completou. “Por que a estrutura governamental não assume nem o seu papel de produzir os dados?”, questionou ainda, observando que os dados existentes são produzidos por entidade não governamental. Para ela, é preciso traçar metas exequíveis para combater o problema, e ela ressaltou que não consegue nem mesmo audiência com o ministro da Justiça.
Execução do orçamento
Respondendo a questionamento apresentado por cidadão pelo portal e-Democracia, a representante do governo disse que o Portal da Transparência mostra apenas 53% de execução do orçamento para políticas para as mulheres, mas o empenho é mais de 90%. Leila Assaf esclareceu que a execução não depende só da vontade do ministério, mas também de trâmites burocráticos, como licitações.
Ela acrescentou que não existe uma base de dados nacional unificada sobre violência contra a mulher, mas apenas uma base nacional de dados do Judiciário. O Congresso Nacional aprovou em 2021 a Lei 14.232/21, que cria a Política Nacional de Dados relacionados à Violência contra as Mulheres.
Representante da ONU Mulheres, Debora Albbu considera fundamental a efetiva execução do orçamento para as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, além do investimento em processos de transformação social, para combater as causas da violência. Segundo ela, isso inclui o combate à fome, a garantia do trabalho decente, a participação política das mulheres e a garantia do direito à terra por populações do campo, quilombolas, indígenas e tradicionais.
Mulheres negras
Debora também frisou que a violência afeta os diferentes grupos de mulheres de forma diversa e está ligada a elementos como raça, etnia, classe, deficiência, território, orientação sexual e identidade de gênero. Por isso, ela defende abordagem interseccional nas políticas públicas para combater o problema.
“Segundo o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], nos últimos 11 anos a taxa de mortalidade de mulheres negras cresceu de 48,5% para se tornar 65,8% superior à taxa de mortalidade de mulheres não negras. Em 2021, mulheres negras foram 62% das vítimas de feminicídio contra 37,5% das brancas e 70,7% das vítimas de mortes violentas intencionais contra 28,6% das brancas”, citou.
Ela acrescentou ainda que o número de estupros aumentou em 2020, provocado em especial pelo aumento dos estupros de vulneráveis, que representam mais de 75% dos casos. A faixa de 10 a 13 anos é a que mais corre o risco de sofrer estupro.
Falta de dados
Coordenadora de Violência contra Mulheres, Pesquisa e Impacto no Instituto Avon, Beatriz Accioly também chamou a atenção para a falta de dados oficiais de qualidade periódicos, centralizados, produzidos por fontes administrativas – polícias, tribunais, centros de assistência social, abrigos e outros serviços. Para ela, esses dados são essenciais para compreender quais mulheres estão buscando os serviços, quais serviços estão buscando, estimar os custos de cada serviço e para monitorar a qualidade dos serviços prestados, por exemplo. “Nós precisamos saber o que funciona, o que não funciona, o que funciona melhor, de maneira mais efetiva”, esclareceu.
A Lei Maria da Penha já prevê que as estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins citou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que apontam o aumento da violência contra a mulher, a despeito de pequena redução no número de feminicídios. Segundo ela, tem aumentado as agressões, as ameaças, os estupros, as emergências das polícias militares e as medidas protetivas concedidas. Os dados são produzidos pela entidade, que é uma organização sem fins lucrativos.
Fiscalização
Já a juíza de Direito e diretora nacional da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Domitila Manssur, ressaltou que a Lei Maria da Penha vale inclusive para mulheres trans, lembrando que o Brasil é o país do mundo que mais mata pessoas trans. Para ela, as medidas protetivas de urgência, que podem ser concedidas pelos juízes, são o “coração da Lei Maria da Penha”, mas é preciso fiscalizar a aplicação dessas medidas, que podem conter a escalada de violência e evitar o feminicídio.
A juíza também chamou a atenção para a importância de uma das modificações recentes feitas na Lei Maria da Penha, que possibilitou ao juiz determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor (Lei 13.880/19). “Evidentemente a posse de arma de fogo pelo agressor aumenta e muito o risco da mulher vítima de violência”, avaliou.
Para ela, também é preciso trabalhar na implementação de delegacias eletrônicas, que permitem o boletim on-line e a concessão on-line de medidas protetivas de urgência. Ela defendeu ainda a aprovação pelo Congresso Nacional do Estatuo da Vítima (PL 3890/20), para permitir a reparação integral das vítimas da violência de gênero.
Outras medidas
A deputada Vivi Reis ressaltou que apenas denunciar não é suficiente e que, para sair da situação de violência, as mulheres precisam de empregabilidade, de educação para seus filhos, entre outros pontos já previstos na lei. Para ela, é preciso aprimorar a legislação para garantir a segurança da mulher em seu ambiente de trabalho, além de garantir a aplicação da lei às mulheres que estão distantes do sistema de justiça, como as ribeirinhas e indígenas.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), por sua vez, afirmou que todas as formas de violência contra a mulher tipificadas pela Lei Maria da Penha, incluindo as que não deixam marca na pele, como a sexual, a patrimonial e a moral, carregam uma violência psíquica, que é inviabilizada na estrutura sexista. Ela destacou que a Lei Maria da Penha abriu caminho para se reconhecer na legislação outras formas de violência, como a política e a institucional, mas que é preciso que as leis se transformem em realidade.
Fonte: Agência Câmara de Notícias