O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos usou até setembro metade da verba deste ano para proteção da mulher e igualdade de direitos. A pasta de Damares Alves ainda terá, em 2021, um corte de 25% dos recursos na área.
No entanto, com a pandemia da Covid-19, cresceu a violência contra a mulher. Os primeiros alertas foram feitos há seis meses.
No fim de março, para contestar as medidas de isolamento social, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reconheceu o problema. “Tem mulher apanhando em casa”, afirmou. “Por que isso? Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão.”
Em abril, as denúncias de violência contra a mulher subiram 38% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com o Ligue 180. A pasta de Damares não divulgou comparações em meses mais recentes.
Em uma reação, o Congresso aprovou projeto de lei para garantir atendimento ininterrupto, inclusive presencial, dos órgãos de proteção às vítimas. A ideia surgiu na bancada feminina. O texto foi sancionado por Bolsonaro em julho.
De lá para cá, os recursos têm sido liberados em ritmo lento.
De R$ 121,9 milhões à disposição da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, segundo dados do governo, cerca de metade (R$ 63,3 milhões) foi empenhada —o primeiro estágio para liberação do dinheiro público.
Com isso, há o compromisso de que a verba será usada. O pagamento, porém, ocorre após a conclusão do serviço ou contrato.
Com esse dinheiro, são implementadas ações de combate à violência doméstica e atendimento às vítimas —seja eletrônico, pelo Ligue 180, seja presencial, na Casa da Mulher Brasileira.
Em uma das rubricas, por exemplo, a de enfrentamento à violência contra a mulher, dos R$ 24,6 milhões disponíveis, apenas R$ 1,6 milhão foi efetivamente pago até setembro.
Das verbas para a Casa da Mulher Brasileira, de R$ 63,6 milhões, foram pagos somente R$ 11,2 milhões.
O programa foi criado pelo governo federal em agosto de 2013, com a promessa de ser uma das maiores ações no enfrentamento à violência contra a mulher.
No local, as mulheres encontram atendimento com representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública e de delegacias e até espaço para pernoitar, caso estejam em situação vulnerável.
Carmela Zigoni, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), disse não entender os motivos de Damares não ter usado os recursos disponíveis para a proteção das mulheres.
“Ela [ministra] não precisa esperar até dezembro para usar esses recursos. Nós estamos no meio de uma pandemia. Se eles não forem gastos, voltarão para as contas do Tesouro, e a previsão para o ano que vem é ainda menor”, afirmou.
A pandemia impactou os registros de violência.
Levantamento mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou aumento nos índices de feminicídio. Os dolosos, quando há a intenção de matar, saltaram 7,1% em maio —de 127, em 2019, para 136, em 2020.
No entanto, com as medidas de isolamento social, houve redução em uma série de crimes contra as mulheres nos estados. Isso acontece, de acordo com fórum, porque as mulheres têm encontrado mais dificuldades em denunciar violências sofridas no período.
“De forma análoga, os dados também indicam uma redução na distribuição e na concessão de medidas protetivas de urgência, instrumento fundamental para a proteção da mulher em situação de violência doméstica”, mostrou o levantamento.
Uma medida protetiva, por exemplo, pode ser uma ordem judicial que defina uma distância mínima que o agressor deve manter da vítima.
Em nota, a pasta de Damares afirmou que “os recursos estão sendo usados considerando as fases dos projetos”. Informou ainda que tem adotado iniciativas que não dependem de recursos do Orçamento, como debate virtual sobre o tema, em parceria com o Banco Mundial.
Em fevereiro, porém, o ministério chegou a divulgar que investiria “mais de R$ 42 milhões” na construção de 25 novas unidades da Casa da Mulher Brasileira ainda neste ano.
A titular da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, Cristiane Britto, afirmou na época que a medida considerava “a importância do equipamento, que propõe atendimento humanizado e integrado às mulheres que estão em situação de violência”.
Questionado na sexta feira (18), o órgão respondeu que há seis unidades em funcionamento atualmente, o mesmo número do ano passado. Também afirmou que a implementação dos equipamentos “segue o trâmite padrão e legal para execução dos convênios”.
“Das 25 CMBs [Casas da Mulher Brasileira] indicadas, 15 já estão com propostas de implementação aprovadas e encaminhadas para análise e operacionalização da Caixa”, afirmou. As demais unidades estão em análise.
Segundo a advogada Myllena Calazans, do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), o projeto tem sido deixado de lado nos últimos cinco anos.
“Salvo alguns poucos estados que têm mantido alguns serviços, a situação é catastrófica. Em dezembro de 2018, a redução do número de serviços já estava em 40%”, disse.
Os problemas se estenderão pelo próximo ano. Na elaboração do Orçamento de 2021, a pasta de Damares reduziu o valor reservado para as políticas de igualdade de direitos, combate à violência doméstica e atendimento às vítimas.
Há um ano, quando o governo enviou ao Congresso o projeto do Orçamento de 2020, o ministério tinha previsto R$ 52,2 milhões. Agora, para 2021, o montante é de R$ 39,4 milhões —queda de 25%.
O Congresso conseguiu elevar a verba da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres para os atuais R$ 121,9 milhões com emendas parlamentares. Agora, a pasta disse que se empenhará novamente em repetir a estratégia.
O ministério afirmou que pediu a expansão orçamentária para todas as políticas públicas. O pleito, no entanto, não foi atendido pelo Ministério da Economia, em função da crise nas contas públicas.
Fonte: Folha