Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), monitorou por um período de cinco anos os casos de violência doméstica em Belo Horizonte. E a conclusão do estudo traz um alerta: quanto mais os casos se repetem, menor é o intervalo de tempo para que as vítimas voltem a a sofrer agressões.
De acordo com o coordenador do estudo, o professor do Departamento de Sociologia da UFMG Bráulio Figueiredo, a pesquisa analisou os atendimentos das polícias Civil e Militar com indícios de violência doméstica entre 2013 e 2018 na capital mineira. Entre os crimes, estão principalmente ameaça, lesão corporal, além de vias de fato e agressão.
Violência doméstica em BH
Ocorrências | Intervalo |
Entre 1ª e 2ª | 361 dias |
Entre 2ª e 3ª | 258 dias |
Entre 3ª e 4ª | 222 dias |
Entre 4ª e 5ª | 201 dias |
Entre 5ª e 6ª | 167 dias |
Da 6ª em diante | 138 dias |
Os dados apontam que, entre a primeira a segunda ocorrência, em média, há um intervalo de 361 dias. Da segunda para a terceira, o tempo cai para 258 dias; da terceira para quarta, 222 dias; da quarta para a quinta, 201 dias; da quinta para a sexta, 167 dias; da sexta em diante, 138 dias.
Para Figueiredo, um dos fatores que podem explicar a reincidência da violência doméstica é a sensação de impunidade por parte do agressor.
“É o reconhecimento por parte do autor de que esse tipo de violência é naturalizado, é ‘normal’”, avalia.
Segundo o pesquisador, os números demonstram a importância de se denunciar desde a primeira agressão.
“Essa repetição se dá justamente entre os mesmos autores e vítimas, ou seja, são os mesmos envolvidos, e isso está demostrando que é um padrão recorrente de agressividade. Só que essa agressividade vai se tornando cada vez mais frequente, o lapso temporal diminui, e também, provavelmente, a gravidade pode ir aumentando. Essa é uma hipótese que a gente vai investigar”, diz.
Perfil das vítimas
No total, foram identificados mais de 244 mil envolvidos nestas ocorrências ao longo de cinco anos, sendo cerca de 129 mil vítimas. Desse total, cerca de 64 mil vítimas aparecem duas vezes ou mais nos registros. Já entre os autores, cerca de 49 mil se repetem entre um total de cerca de 99 mil. “A proporção de autores e vítimas que se repetem é muito parecido, dá cerca de 49%”, afirma.
Ainda de acordo com o pesquisador, as mulheres são a grande maioria das vítimas: cerca de 95,1%. Em relação à faixa etária, a principal é entre 35 e 44 anos, o que corresponde a 23,1% do total. Em 25% dos casos, foi registrado algum tipo lesão.
“Às vezes, as pessoas só entendem que é violência doméstica quando tem uma agressão física, uma lesão, mas não é isso. Pode ser verbal, pode ser uma ameaça utilizando, por exemplo, um celular. Tudo isso compreende a violência doméstica”, destaca.
De acordo com o estudo, o atendimento aos casos é maior aos fins de semana. “Curiosamente, o padrão mais frequente de chamadas começa domingo às 17h e vai até as 22h, 23h. É o período que tem mais atendimento para esse tipo de ocorrência”, afirma o professor.
Dificuldade para denunciar
Figueiredo afirma que, no contexto de violência doméstica, pode haver situações em que as vítimas tenham dificuldade em decidir denunciar.
“Autor e vítimas são pessoas muito próximas. Esse tipo de violência acontece dentro de casa, dentro do lar, o que dificultar ainda mais a tomada de decisão de denunciar”, pondera.
Ele avalia que, nos últimos anos, houve melhora nas políticas públicas para o acolhimento das vítimas. “Você tem hoje um atendimento, o problema da violência doméstica tem se tornado uma pauta muito comum e as organizações têm trabalhado neste sentido, não tem como negar isso. Mas é claro que tem que melhorar mais”, avalia. Para ele, é preciso criar mecanismos que facilitem as denúncias.
“Mas o que é mais importante é o sistema de Justiça como um todo reagir de uma forma muito rápida e certa com relação ao autor. Punindo o agressor de forma correta para que ele compreenda que esse tipo de crime não é um crime que fica impune”, diz.
O estudo, que tem como subcoordenadora a pesquisado Ludmila Ribeiro, está em fase de finalização. Em outra etapa, a pesquisa também vai mapear esses casos até o julgamento. Um dos objetivos é calcular o tempo entre a ocorrência e a condenação ou absolvição.G1