Ministério da Justiça vetou a prática, difundida em bares e casas de show. Duas advogadas ouvidas pelo ‘Nexo’ avaliam a decisão
Cobrar menos ou até isentar mulheres do pagamento pela entrada em bares, baladas e locais do tipo é uma prática comum em diversas cidades brasileiras, como mostrou uma reportagem do programa “Fantástico”, da TV Globo, veiculado no dia 25 de junho.
Essa cobrança diferenciada passou a ser proibida de acordo com uma orientação técnica divulgada na segunda-feira (3) pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.
A determinação é válida para bares, restaurantes e casas noturnas, que terão um mês para se adequar. Vencido esse prazo, caso ainda haja distinção de preço baseada no gênero, o consumidor poderá exigir o mesmo valor cobrado das mulheres e os estabelecimentos estarão sujeitos a multa.
O que motivou a decisão
A mudança veio na esteira de um episódio específico, ocorrido no Distrito Federal. Em meados de junho, um estudante de direito processou um estabelecimento que cobrava, pelo ingresso de um show, preços distintos para mulheres e homens: mais barato para elas e mais caro para eles. Reafirmando a igualdade entre ambos perante a lei, ele deseja pagar o mesmo valor do ingresso “feminino”.
O processo ainda está em andamento, mas o governo federal decidiu se adiantar e regular o tema para todo o país.
“Essa ação interposta pelo consumidor provocou uma reação do poder público para realmente fazer com que essa decisão valesse para todos”, disse ao Nexo a advogada Marina Ruzzi, do escritório Braga & Ruzzi, especializado em questões de gênero e no atendimento de mulheres.
Por que a prática foi proibida
Quem argumenta a favor da cobrança diferenciada em geral segue a linha de que o empresário, como dono do negócio, pode cobrar da maneira que bem entender ou de que seria justo mulheres pagarem menos, tendo em vista a desigualdade salarial entre homens e mulheres.
“Essa cobrança não está pautada no fato das mulheres receberem menos do que os homens”, disse ao Nexo a advogada Ana Paula Braga, sócia de Marina Ruzzi. “Está pautada simplesmente no fato da mulher ser vista ali como atrativo. Isso fere não só o princípio da igualdade de gênero, que é constitucional, como [o princípio] da dignidade da pessoa humana”.
Elas afirmam que, embora o estabelecimento seja, sim, livre para escolher sua estratégia de marketing, esta não pode ser discriminatória e ferir princípios constitucionais.
Elas afirmam que, embora o estabelecimento seja, sim, livre para escolher sua estratégia de marketing, esta não pode ser discriminatória e ferir princípios constitucionais.
A nota técnica do Ministério da Justiça cita a garantia constitucional de que mulheres e homens são iguais em direitos e obrigações e argumenta que os preços diferentes significam “uma afronta à dignidade da mulher, pois, ao utilizá-la como forma de atrair consumidores masculinos para aquele ambiente, o mercado a considera como um produto que pode ser usado para arrecadar lucros, ou seja, obter vantagens econômicas”.
Juíza do Distrito Federal responsável pelo caso do estudante de direito que questiona a diferenciação da entrada, Caroline Santos Lima já fez algumas considerações sobre a prática ao negar uma liminar para esse estudante pois não via necessidade de uma decisão provisória e urgente.
Ela disse ser “incontroverso que as pessoas são livres para contratarem, mas essa autonomia da vontade não pode servir de escudo para justificar práticas abusivas. (…) Com base nesse raciocínio, não é possível cobrar mais caro de um idoso ou de estrangeiros, por exemplo. Nessas situações o abuso seria flagrante e sequer haveria maiores discussões.”
Sem respaldo jurídico, para as advogadas, a cobrança é um “costume misógino” e a normativa do Ministério da Justiça vai contribuir para mudar essa cultura.
“Não pode o empresário-fornecedor usar a mulher como ‘insumo’ para a atividade econômica, servindo como ‘isca’ para atrair clientes do sexo masculino para seu estabelecimento”, disse a juíza.
Fonte: Nexo