Possível votação da PEC da Anistia na CCJ faz parte de longo ciclo de descumprimento de leis de cotas políticas e repasse de recursos públicos às candidaturas de mulheres e pessoas negras. Em linha do tempo, relembramos leis que determinam aumento de candidaturas de mulheres e os métodos usados por partidos para não as cumprirem
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/23, apelidada de PEC da Anistia, volta à pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (16).
Amplamente aprovada por legendas pertencentes à ala alinhada ao presidente Lula e de oposição, a proposta visa proteger partidos políticos de sanções após descumprirem a lei de repasse de recursos do fundo eleitoral a campanhas de mulheres e pessoas negras nas eleições de 2022; além de livrá-los da responsabilidade de outras irregularidades na prestação de contas anuais.
Se aprovada, a PEC 9/23 será a maior anistia concedida a partidos políticos na história do Brasil. Contudo, esta não é a primeira vez que se mobilizam para se blindarem após o não cumprimento de ações afirmativas voltadas às mulheres na política institucional.
A tramitação da PEC 9/23 é definida por críticos como a continuidade de uma cultura de impunidade que existe desde a década de 1990, em que as legendas buscam brechas para descumprirem as leis de cotas e de financiamento de candidaturas, sem penalizações.
A seguir, entenda a linha do tempo histórica de leis de ações afirmativas para negros e mulheres na política e as ações de anistia organizadas pelos partidos. As informações foram compiladas e disponibilizadas pela organização social A Tenda das Candidatas, que ensina campanha eleitoral a mulheres.
A primeira legislação que previa a ampliação de ocupação de mulheres na política institucional foi sancionada em 1995. A Lei nº 9.100, apelidada de Lei de Cotas, foi apresentada pela então senadora Marta Suplicy. Vale ressaltar que, nem esta e nem nenhuma lei de candidaturas que surgiria ao longo dos anos, visa a inclusão de pessoas negras (salvo a lei que determina repasse mínimo de 30% de recursos do fundo eleitoral).
A Lei de Cotas estipulava que 20% das candidaturas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por mulheres. Mas, até então, as normas eram válidas apenas para as Câmaras Municipais do Brasil.
Dois anos depois, em 1997, com a sanção da Lei das Eleições (nº 9.504), as regras de cotas de gênero foram expandidas às Assembleias Estaduais e Câmara dos Deputados. Essa foi a lei que estipulou que fossem reservadas 30% das candidaturas para mulheres.
Falta de clareza na Lei das Eleições e descumprimento de partidos políticos
Por mais que a Lei das Eleições pareça um avanço, era aberta a interpretações por estipular que as cotas deveriam ser “reservadas” às mulheres, e não garantidas.
As legendas também se aproveitavam do fator quantitativo: se um determinado partido político pudesse lançar 200 candidatos, sendo 100 homens e nenhuma mulher, não estariam descumprindo a lei. Isso porque o número de candidatos homens era superior à cota de 80% do total de candidaturas que um partido poderia lançar – já que os 30% reservados às mulheres não eram obrigatórios, segundo a lei.
Cotas para mulheres na política se tornam obrigatórias
Essa brecha só foi revogada em 2009, quando foi sancionada a Lei nº12.034, que alterou a Lei dos Partidos Políticos (nº 9.504/97) para tornar obrigatório que 30% das candidaturas fossem de mulheres.
Na prática, funcionaria assim: o percentual mínimo às mulheres era de 30%, e o máximo era de 70% preenchido por homens ou mulheres.
Em 2014, o Judiciário tentou endurecer o cumprimento e pressionar as legendas ao estabelecer que, se o percentual de 30% não fosse atingido, os partidos deveriam retirar as candidaturas de homens que excedessem os 70% restantes.
Candidaturas laranjas ou abaixo do esperado
Mesmo com os novos esforços, as candidaturas de mulheres continuaram abaixo do percentual de cotas estipulado pela lei.
No ano de 2010, um ano após a sanção da obrigatoriedade de cotas, esperava-se receber 1.556 candidaturas, mas o total foi de 1.007. Naquele ano, somente 45 mulheres foram eleitas. É o que apontam dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A pesquisa demonstra ainda que só se ultrapassou o número de cotas esperado nas eleições de 2018. Além disso, para driblar a lei, os partidos políticos passaram a se aproveitar de candidaturas laranjas.
Incentivo do Fundo Partidário
Em 2015, a Lei nº13.165 estipulou que os partidos deveriam destinar valores do Fundo Partidário para impulsionar a participação de mulheres na política. O valor seria de no mínimo 5% e no máximo 15% do repasse.
No entanto, o teto de 15% foi definido como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.617.
Assim, ficou estipulado que no mínimo 30% do repasse do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas fosse aplicado nas candidaturas de mulheres e pessoas negras.
Caso houvesse mais de 30% de candidatas, o valor implementado deveria acompanhar o novo percentual. Por exemplo: se 45% das candidaturas de um determinado partido são de mulheres, então deve-se implementar 45% do valor em suas campanhas.