*Texo de Mariana Mazzini com Juliana Bueno.
História 1: Um grupo de mulheres feministas conversando. Uma conta de um dia que um homem pediu, no meio de um evento, ajuda para deixar de ser machista. E que não sabia como fazer. Quase todas dão risada. Fim.
História 2: Conversando com um amigo, ele comenta que um famoso jovem cronista tenta sempre apoiar bandeiras das mulheres e, mesmo tendo cedido espaço para uma mulher escrever em sua coluna, como parte da campanha #AgoraÉQueSãoElas, está sendo criticado por feministas. Indignado, ele resmunga: “vocês feministas nunca chegam a um acordo sobre o que querem?”. Fim.
História 3: Em uma discussão sobre aumento da licença paternidade uma senhora pede a palavra, e, bastante nervosa e com o rosto vermelho dispara: “Deus que me livre essa coisa de licença paternidade. Já basta uma criança para cuidar. Ainda vai ter um homem para atrapalhar”. Fim.
O que essas três histórias curtinhas têm em comum? Uma longa história, ainda mal contada, que intitularemos: “o que querem as feministas e o que os homens podem fazer sobre isso?”. E que esteve muito em pauta recentemente por conta da ousada e criativa campanha #AgoraÉQueSãoElas.
O que queremos, afinal, nós, feministas? Nós queremos mudar o mundo, sim. E queremos há muito tempo. São dezenas de gerações de feministas, talvez centenas, que já entenderam que esse mundo como está, não nos serve. Nós queremos refundar nosso pacto social. Ninguém nos convidou para discutir os termos dele. E sem a nossa voz, entendemos que não tem conversa.
Queremos propor que, nesses novos termos, a igualdade em todas as suas formas seja a primeira cláusula, escrita toda em letras maiúsculas, em negrito, itálico e sublinhado. Parece um pouco abstrato? Então, coloquemos da seguinte forma: nós queremos que, quando haja uma criança na família (e não precisa ser a família do estatuto da família, não), que, se houver um homem nela, que ele compartilhe as responsabilidades de cuidado, de forma que nenhuma mulher pense que ele irá atrapalhar, tão pouco ajudar, porque o que estará acontecendo é nada além da manifestação da paternidade, como deveria ser. Que os homens não achem natural encher a cara e tentar agarrar uma mulher em uma festa, ou passar a mão nela. Ou tentar algo com ela a força, quando ela já disse não. E que os homens não olhem para as mulheres negras e digam que “é bom dormir com uma mulata, mas não dá pra casar”.
Que não riam e apontem para uma mulher trans quando ela entra no vagão do metrô. Que não preguem estupro corretivo de mulheres lésbicas. Que não questionem a competência de mulheres nos espaços de trabalho porque são mulheres, em especial, quando são mulheres jovens. Que não ridicularizem a sexualidade de uma mulher idosa, só por ela ser uma mulher idosa, porque desejo não tem idade. E, principalmente, que não tentem aprovar leis que reduzam ainda mais o espaço e os direitos que já temos. Porque esses exemplos não constituem nem metade das privações, humilhações, ataques e violências das mais diversas que sofremos, diariamente, desde que nos entendemos por gente.
E por que estamos falando só dos homens? O feminismo é uma guerra entre sexos? É claro que não. O feminismo denuncia que o machismo, assim como o racismo, a opressão de classe, e outras opressões, estão em todos os cantos das nossas vidas. No trabalho. Em casa. Na rua. Nas políticas públicas.
Mas o que queremos chamar a atenção é que os homens têm um lugar nessa história sobre um outro mundo que queremos fundar. Que lugar o feminismo entende que é esse, contudo, não é fácil de dizer.
Isso porque não há um clube – o Feminismo S/A – em que mulheres se reúnem na calada da noite para decidir o que é e o que não é feminismo. E quem fala ou não fala em nome do feminismo. E que, ao fim, se abracem e, entre lágrimas, digam que estão de acordo umas com as outras. Dentro dessa poderosa palavra, que promete desestabilizar toda a nossa forma de ver o mundo, há uma serie de questões colocadas, que desestabilizam também o próprio feminismo. É por isso que temos que ver os feminismos no plural. Como o feminismo pode se enegrecer? Como alargar as suas portas para as mulheres trans sentirem-se em à vontade? Essas são só algumas provocações que moram dentro da casa dos feminismos.
E aí vem a questão do nosso amigo. É ou não machista que um homem “ceda” seu espaço em uma coluna para que outras mulheres ocupem? Ou essa pode ser uma iniciativa que promova o debate sobre a igualdade?
Não é possível dar uma resposta que reverbere como um consenso. Até porque o tema é mais delicado do que pode parecer. E também não é uma particularidade do feminismo. O movimento negro também questiona o papel de brancos e brancas no enfrentamento ao racismo. Os(as) trabalhadores(as) do mundo todo uni-vos sempre ficaram um pouco sem saber o que fazer quando um(a) filho(a) da elite pegava a bandeira vermelha e gritava pelo fim da burguesia.
O feminismo não veio ao mundo para pedir licença, a bênção ou a ajuda dos homens para se colocar como um questionamento e uma luta permanentes. E as mulheres que ocupam esse espaço não estão agradecendo o empréstimo do quarto e sala por uma noite e reconhecendo nesses homens as novas lideranças da causa.
É fundamental que os homens assumam a sua responsabilidade na luta por um mundo sem machismo, sem racismo e sem homo-lesbo-transfobia (o nome é grande mesmo, mas é na medida do desafio que precisa ser superado). E “abrir” suas colunas é, antes de tudo, uma provocação. O que esperamos é que eles se questionem, tanto quanto seus leitores e suas leitoras, sobre porque, afinal, nós não temos espaço (ou temos tão pouco espaço), para dizer o que pensamos sobre política, futebol, o cotidiano nas grandes cidades? Especialmente considerando que nós mulheres somos a maioria da população brasileira e, de quebra, enquanto feministas, estamos propondo algo tão ousado? Uma proposta que não se limita a reivindicar direitos para as mulheres, mas que se propõe a refundar o mundo.
O que nós esperamos é que esses homens que, um dia, disseram “sim, sou machista, mas quero deixar de ser, como faço?”, entendam que não será pela voz deles que nossos gritos ecoarão, mas que nós precisamos que eles participem ativamente dessa nossa provocação.
Essa longa história não tem um moral, tão pouco um fim. Mas já é mais do que hora de ter um barulhento começo.
Daí a provocação permanente aos nossos companheiros homens, pra além de uma semana: afinal, o que querem as feministas e o que os homens podem fazer sobre isso?
Fonte: Brasil Post