“Um pesadelo.” É assim que o virologista e professor da USP Paolo Zanotto define a situação do Brasil com relação ao aumento de casos de microcefalia, supostamente por causa do vírus zika.
Isso porque nunca, em nenhum lugar do mundo, foram feitos estudos sobre a capacidade do vírus de causar tal má-formação. Mais do que isso: não havia nem suspeita de que isso pudesse acontecer.
Segundo especialistas, serão necessários entre seis meses e um ano para que trabalhos sobre o tema encontrem resultados. Ou seja, será necessário trocar o pneu enquanto o carro anda.
O que se especula até agora é isto:
1) O mecanismo pelo qual o zika afeta o feto seria similar ao de outros vírus conhecidos, como o da rubéola, HIV, herpes e citomegalovírus –todos podem causar malformações.
Por outro lado, a relação entre o vírus zika e a microcefalia seria inédita entre os arbovírus –aqueles transmitidos por artrópodes (como os mosquitos).
2) A falta de detecção anterior da relação entre o zika e microcefalia se deveria à falta de escala das epidemias anteriores do vírus.
Tal efeito não foi observado em outros locais afetados, como a ilha de Yap, na Micronésia, em 2007, ou na Ilha de Páscoa, entre 2013 e 2014. A hipótese é que nesses locais não havia o fator escala. “Pela primeira vez, o vírus encontrou um grupo de milhões de pessoas susceptíveis no seu caminho”, afirma o professor de virologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Mauricio Nogueira.
3) O zika seria transmitido verticalmente (ou seja, da grávida para o feto) via placenta após uma infecção no primeiro trimestre de gestação, quando o sistema nervoso do feto ainda está em formação.
Provavelmente a futura célula nervosa possui em sua superfície receptores que favorecem a infecção pelo vírus, que lá se aloja e e se multiplica, usurpando a maquinaria celular e coibindo o crescimento e a conexão entre as células.
Como resultado, o cérebro acabaria ficando diminuto, o que reflete em uma caixa craniana menor e em complicações como dificuldade de locomoção, de raciocínio, de fala, de aprendizado, entre outras.
EVIDÊNCIAS
O que ficou constatado até agora é que havia material genético viral no líquido amniótico de grávidas de fetos com microcefalia.
Além disso, há forte coincidência temporal e espacial entre o zika e as malformações –o epicentro demográfico, nos dois casos, foi o Estado de Pernambuco.
Para Zanotto, é bastante difícil atribuir o fenômeno, tal como ocorreu, a um fator ambiental –a ingestão de substâncias tóxicas como álcool, por exemplo, também pode causar microcefalia.
Não se sabe nem há estimativa confiável de quantas pessoas já tenham sido vítimas do zika.
Dependendo de qual estágio da epidemia o país está, ela pode na verdade já estar acabando no Nordeste. Por outro lado, ela pode nem ter chegado estados do Sudeste -o verão pode trazer um grande aumento de casos de zika, chikungunya e dengue.
O zika, aliás, é muito próximo da dengue. Os dois vírus são do gênero dos flavivírus, grupo ao qual pertence também o vírus da febre amarela.
Isso cria um complicador: a resposta imune cruzada gerada pelos vírus da dengue e da zika. Um organismo que já tenha sido infectado por um vírus da dengue tem anticorpos contra esse vírus. Eles não funcionam tão bem contra outros tipos de dengue, nem contra o vírus zika.
O problema é que eles funcionam “um pouquinho” e isso pode fazer com que, enquanto o organismo percebe o inimigo como um velho conhecido, na verdade ele está se multiplicando.
“A situação atual deve nos fazer a pelo menos rediscutir os testes para vacinas da dengue”, alerta Zanotto.
Segundo ele, uma população que tenha sido vacinada pode estar ainda mais susceptível à infecção por zika.
“Controlar o Aedes é a chave para resolver zika, dengue e chikungunya, mas há mais de 30 anos estamos falando de controle de mosquito e cada ano está pior que o anterior”, afirma Nogueira.
Fonte: Folha de S. Paulo