De acordo com o último Dossiê Mulher, de 111 vítimas de feminicídio em 2022, apenas 17 tiveram a decisão concedida pela Justiça. Especialistas, no entanto, ressaltam medida como fundamental.
Por: Fernanda Graell e Anita Prado
Casos recentes de mulheres mortas após conseguirem medidas protetivas contra ex-companheiros mostram que o assunto ainda é um desafio no combate à violência contra a mulher. Só em 2024, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher realizou 96 prisões por descumprimento de medidas protetivas.
De acordo com o último Dossiê Mulher, de 111 vítimas de feminicídio em 2022, apenas 17 tiveram a decisão concedida pela Justiça.
Janaína Carneiro foi morta a facadas dentro da própria casa, no bairro Jardim Canaã, em Nova Iguaçu. O suspeito foi preso.
As imagens das câmeras de segurança mostram a chegada de Maicon Douglas Tores, de 32 anos. Ele para em frente à casa da vítima, olha por uma fresta do portão e escala o muro. Menos de um minuto depois, pula de volta para a calçada e vai embora correndo.
Quem fez o reconhecimento foi a ex-mulher dele, filha da vítima. Eles ficaram juntos por 3 anos e tiveram uma filha, mas Jéssica quis se separar porque disse que ele era agressivo. A ex tinha uma medida protetiva contra ele.
“Ele não aceitava a separação, não aceitava que eu fosse embora, e tinha raiva da minha mãe porque minha mãe me apoiava, me ajudava, abria as portas para mim.”
Maicon já tinha agredido a sogra em setembro do ano passado. Ela procurou a polícia, e o caso foi registrado como lesão corporal.
A Justiça também concedeu medida protetiva para a ex-sogra: Maicon deveria se manter distante dela por 500 metros. Mesmo assim, o crime foi cometido.
Gari morta em Belford Roxo
Na sexta-feira passada (28), uma outra mulher — que também tinha medidas protetivas contra o ex-companheiro — foi vítima de feminicídio. A gari Luciene Queiroz, de ,39 anos, foi morta a facadas pelo ex-marido, Eduardo Lima Barreto, em Belford Roxo.
Ela já tinha prestado queixa na delegacia duas vezes. Eduardo foi preso, e a prisão dele foi confirmada após audiência de custódia. Na delegacia, ele disse que “ficará em paz” após ter cometido o crime.
Como funciona
A medida protetiva de urgência é considerada uma das principais inovações da Lei Maria da Penha, de 2006, que criminalizou a violência contra a mulher.
Apesar desses dois casos recentes, os números comprovam, e os especialistas são unânimes em afirmar a importância desse mecanismo de proteção.
“As medidas protetivas são fundamentais para proteger a mulher em situação de violência que está sob uma situação de ameaça ou que foi agredida, ou sofreu violência psicológica ou moral”, disse Regina Célia Almeida, co-fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o número de medidas protetivas concedidas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vem crescendo a cada ano. Passou de 25.421 em 2020 para 41.766 em 2023 — um aumento de 64,3%.
Segundo a delegada Tatiana Queiroz, diretora-geral de polícia de Atendimento à Mulher, o descumprimento de medida protetiva normalmente vem acompanhado de outro crime.
“A mulher, quando vai registrar descumprimento, o autor cometeu crime de lesão corporal, ameaça, crime de stalking”.
Os registros do crime aumentaram, e ela considera isso positivo. “Primeiro porque as mulheres procuram a delegacia, têm procurado, e que os autores estão sendo levados ao cárcere no momento do fato”, disse a delegada.
A medida pode determinar, por exemplo:
- O afastamento do agressor tanto da vítima como da casa da vítima;
- A restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores;
- A proibição ou restrição do uso de arma por parte do agressor;
- A proibição de venda ou aluguel de um imóvel da família sem autorização judicial;
- O depósito de recursos para a vítima.
A medida protetiva pode ser solicitada na delegacia, durante o atendimento policial, e ordenada pela Justiça em até 48 horas. A decisão deve ser emitida com urgência em casos em que a mulher corre risco de morrer.
“Agora é muito importante lembrar: boletim de ocorrência não é medida protetiva. Então é muito importante que você diga à autoridade que está ali, responsável, que você está fazendo registro, mas você quer a medida protetiva por se encontrar ameaçada”.
Em 2018, a Lei Maria Da Penha foi alterada, e o descumprimento de medidas protetivas passou a ser considerado crime, com pena de 6 meses a 2 anos de prisão.
“O ideal é que a mulher ligue imediatamente para o190, emergência, que vá a uma unidade judiciaria. Lembrando que o estado tem Rede Mulher, que ali encontra R.O on-line, app da Maria da Penha Virtual. Hoje a mulher tem vários instrumentos que podem salvar a vida delas, e a medida protetiva é um deles”, disse a delegada Tatiana Queiroz.
Fonte: G1