Seja na vida profissional, afetiva ou educacional, mulheres com mais de 50 anos relatam dificuldades em meio a tentativas de redescoberta e fuga da vida convencional estabilizada financeiramente, com filhos e um casamento.
Professora na rede particular de ensino, Claudia Vendramini, 54, foi casada por 23 anos, mas aos 49 decidiu tomar uma decisão que queria há tempos: se divorciar. “Era uma coisa que sempre quis. Mas esperei minhas duas filhas crescerem para ter o aval de me separar.”
Dentre as dificuldades encontradas após a separação, estão o julgamento e a sensação de que não pertencia mais ao mesmo ambiente de antes, inclusive entre as próprias amizades.
“Como a maioria é casada, depois que me separei muitas deixaram de ser minhas amigas, e para algumas eu fui simplesmente cancelada”, diz Claudia, afirmando se sentir como uma espécie de ameaça.
Uma outra situação que vivenciou após o divórcio foi com homens que sempre estiveram próximos ao casamento ou eram amigos da família e, após a separação, começaram a demonstrar interesse.
A sensação, para ela, é de que esses homens acham que mulheres com mais de 50 estão sempre à procura de um relacionamento com qualquer pessoa, principalmente por conta da idade. “Quando essas coisas acontecem, às vezes a gente até volta para casa chorando”, diz Claudia.
Um dos episódios relatados aconteceu em um estacionamento frequentado por ela. Ao retirar o carro para sair, um dos funcionários do local lhe deu uma indireta dizendo: “nunca fiquei com nenhuma mulher siliconada”. A primeira atitude de Cláudia foi, na sequência, encaminhar no WhatsApp do rapaz o contato do cirurgião plástico e dizer: “agora você pode, é só pagar um silicone para a sua esposa”, completa.
“Essa coisa de dizer que parece que chegamos ao prazo de validade com 50 anos deve ser também porque, de certa forma, chegamos ao nosso prazo de, inclusive, ser mães”. Mas vivemos numa época diferente
Para Mirian Goldenberg, antropóloga e colunista da Folha, essa sensação de que as mulheres estão envelhecendo chega um pouco antes, já aos 40, e pode estar atrelada à menopausa, sim, porque essas mulheres não podem ter mais filhos. “É quando elas estão entrando naquele período que a gente chama de nem-nem, nem jovem, nem velha. Que começa a ter mais dificuldades, não só para casar, mas para ter filhos”, completa.
A área afetiva, no entanto, não foi a única em que Cláudia encontrou dificuldade. Somada à pandemia, ela, que é proprietária de uma escola de reforço, viu a busca pelos serviços da unidade caírem substancialmente, precisando procurar por outras fontes de renda e encontrando um novo obstáculo por conta da idade.
“Parecia que eu não tinha lugar no mundo. Não conseguia mais me situar num rolê, nem mesmo profissionalmente, fora da minha escola.”
Foram mais de 200 currículos enviados, segundo ela, em busca de uma oportunidade. “Mas as escolas nem chamam para fazer entrevista, é como se a gente não tivesse mais condições de trabalhar, e eu particularmente me sinto ofendida por não conseguir me recolocar, porque eu tenho formação, eu tenho experiência”, relata.
Apesar das desavenças, Claudia não gosta de ver a situação com olhos pessimistas. “Pode ser que numa outra época eu nem estaria separada, ou nem teria voltado para o mercado de trabalho”, afirma.
Hoje ela conseguiu um emprego em uma escola e diz ter reconstruído a autoestima com atividades físicas e alguns procedimentos estéticos. “E eu só consegui ter autoestima novamente depois do divórcio”, relata.
Socióloga, Simone Jorge estuda as políticas de gênero e também sentiu na pele o que é ser questionada por conta da idade. “Com 50 anos ou mais, as mulheres já estão entregues à vida da terceira idade”, afirma.
De acordo com ela, mulheres precisam sempre se mostrar melhores. “Mesmo quando temos o repertório e uma experiência muito melhor, colegas homens sem muito esforço conseguem uma colocação melhor no mercado de trabalho”, completa.
Desencanada com a idade, a nutricionista e consultora em estratégia e inovação Carla Bartels, 52, se mudou para a Alemanha em 2021 para, a princípio, trabalhar e fazer um mestrado. “Eu também não aguentava mais cuidar de casa e queria diminuir um pouco o ritmo de vida que tinha em São Paulo”, diz.
No Brasil, Carla se casou duas vezes e teve dois filhos, um de cada casamento. Seu último divórcio foi aos 38 anos, mas relata que na época não se sentiu julgada por ninguém pela decisão.
Esse fenômeno de libertação próximo aos 50 é classificado por Mirian Goldenberg como geração sanduíche. “São mulheres sobrecarregadas com a rotina de cuidado dos filhos, da casa, com o trabalho, e com o marido também, e aí elas explodem. E isso é uma revolução porque é quando elas decidem cuidar de delas mesmas”, afirma.
O sonho em se mudar de país só se tornou realidade quando seus filhos cresceram e puderam opinar na decisão da mãe. “Eles apoiaram, pedi a opinião deles para tudo”, afirma Carla, dizendo que deixou aberta a possibilidade para eles se mudarem também, se quisessem.
Hoje, voltar a São Paulo para ela já parece inviável. “Perdi minha filha nesse período, então tudo o que vivi no Brasil foi com ela, por isso não pretendo voltar. Estar aqui me ajudou a continuar”, desabafa Carla.
Na Alemanha, Carla gosta de sair à noite para se distrair. “Eu gosto de sair para dançar, principalmente porque aqui não existe essa segmentação de idade”, completa.
Por lá, ela diz ouvir perguntas sobre o motivo para continuar estudando com essa idade. “Me perguntam por que ainda quero aprender alguma coisa agora”, diz Carla.
“Eu nunca quis ser mais velha ou mais jovem, e enquanto eu estou podendo fazer as atividades que eu gosto, enquanto o cérebro está funcionando bem, está tudo bem”, completa.
Mirian explica que é interessante analisar como a mulher é cobrada por estar fazendo coisas fora do convencional em determinadas idades. “É como se a vida útil da mulher fosse até os 40, 50 ou 60, no máximo. Depois é o ainda. É preciso entender que essas mulheres trabalham ainda, estudam ainda, têm um amor ainda, muitas vezes porque querem”, afirma.
Apesar de inconvenientes e etaristas, Carla diz encarar os questionamentos numa boa. Morando na Alemanha, a coisa que mais a chateia são os comentários xenofóbicos. “Isso me incomoda demais. Me incomoda mais coisas que subestimam o meu cérebro do que a minha aparência, porque a idade eu sei que vou aparentar, mas eu não fui criada para parecer, eu fui criada para pensar, para ser.”
Sem tabu para fazer ou não coisas que podem ser consideradas de pessoas mais jovens, ela vai em julho a um show da Taylor Swift.
“E é para isso que eu tenho usado o Instagram ultimamente, para saber como fazer as pulseirinhas”, brinca.
No momento, Carla diz se relacionar com um homem, mas não é nada oficial. Nem pretende que seja, por ora.
Depois que experimentam essa liberdade, as mulheres não costumam querer se casar novamente. “Elas até podem querer um companheiro para sair, passear, viajar, transar, mas não para casar”, afirma Goldenberg.
Fonte: Folha de São Paulo