Se em 2023 o slogan era o “Brasil voltou”, nesta edição do Fórum Econômico Mundial o Brasil mostrou a que veio. Essa é avaliação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que conversou com o blog e fez um balanço positivo da participação brasileira no evento, enquanto iniciava seu trajeto de volta ao Brasil, na van de Davos para Zurique, onde embarca daqui a pouco para Brasília. A ministra destacou o grande interesse de organismos e empresas pelo Brasil e se surpreendeu com o fato de a maioria das conversas começarem com um agradecimento pelo o que o país vem fazendo na seara ambiental. O destaque absoluto desse reconhecimento, conta, veio da redução do desmatamento em 50% na Amazônia no primeiro ano de governo, o que evitou a emissão de 250 milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera.
Foram dois dias de intensa participação, nos quais a ministra realizou mais de uma dezena de encontros bilaterais, com diversas lideranças de representantes do setor financeiro, como o banco holandês Rabobank e Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, até o bilionário cofundador da Microsoft, Bill Gates, que disse a ela que quer vir ao Brasil antes da COP 30 que acontece no ano que vem. A conversa passou ainda por executivos da ONU e da União Europeia. Além disso, Marina esteve em sete painéis de debates do Fórum. A agenda de 14 horas, no frio abaixo de zero nos Alpes Suíços, na terça era 16 graus negativos, um desafio extra para uma amazônida, não contabiliza cafés e jantares. Um dos grandes interesses dos estrangeiros, conta Marina, era o Plano de Transformação Ecológica, liderado pelo Ministério da Fazenda, que casa a agenda ecológica com a da economia, lançado na COP 28. Outro questionamento frequente era sobre o processo de reconstrução da estabilidade institucional e democrática do país.
– Nessas conversas ninguém diz que vai investir, nem o quanto. Mas todos querem saber o que o Brasil está fazendo, como anda o processo de estabilização da nossa democracia, de estabilidade institucional do país, se temos capacidade de gerenciar projetos. Estão interessados no andamento da Reforma Tributária, nos programas de investimento em andamento no Brasil, como o novo PAC, que já foi desenvolvido com eixo social e de sustentabilidade. A presença do Trabuco nesses debates, do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Ilan Goldfajn, é muito importante. O Ilan, aliás, tem mantido uma agenda de investimento verde relevante para a América Latina. Existe um enorme interesse de investir no Brasil, mas esses são processos que necessitam de maturação para crescer e o solo precisa estar pronto para eles. Mostramos que nesse primeiro ano estamos no caminho certo, depois de assumir o governo com um cenário de terra arrasada – afirma a ministra.
A Amazônia, claro, é a estrela absoluta das conversas, mas não é mais o único foco dos estrangeiros no Brasil. Marina disse que foi demonstrado interesse em projetos no Cerrado e nos mangues brasileiros. A ministra chama atenção para o fato de que o Brasil tem vantagens comparativas enormes, quando se fala em matriz energética. A destaca que as condições criadas para o desenvolvimento de energia eólica e solar a custo ainda menor do que a hídrica, pode ser usado para produzir mais energia renovável, o hidrogênio verde.
– Quando falamos em produção de energia limpa não é só como commodities, mas uso dessa energia para manufatura internamente e para atrair investimentos externos de empresas de locais do mundo que não têm uma matriz energética limpa como a nossa, mas que têm interesse em reduzir a sua pegada de carbono. Somos um país de 203 milhões de habitantes, de dimensões continentais, com mão de obra, com capacidade de atrair esses investimentos. A fabricação de carros elétricos, por exemplo, é coerente com a matriz energética brasileira – exemplifica.
Na avaliação da ministra, houve um avanço no debate do Fórum, nesta 54ª edição, ao não desassociar mudanças climática de temas como desigualdade, Inteligência Artificial, desinformação e geopolítica. Ela citou um cientista palestrante de um dos painéis do Fórum que deixou claro que, mesmo que países e empresas implementem 100% das medidas para conter as mudanças climáticas, ainda colheremos por mais três décadas o efeito dos danos que já foram provocados.
– O fórum é meca dos recursos financeiros. Se há recursos e tecnologia, a discussão é como fazer essa transição do velho para o novo. A COP estabeleceu a meta de triplicar as energias renováveis, mas isso não basta, é preciso estratégia para deixar os combustíveis fósseis, com uma descontinuidade produtiva. O que quero dizer é que é preciso estratégia para fazer essa transição energética dos combustíveis fósseis para a energia renovável de forma a não trazer efeitos indesejáveis para a mobilidade, a segurança alimentar, principalmente para os mais vulneráveis.
– O Brasil traz esperança para as pessoas. Mas mais do que isso os resultados obtidos pelo Brasil, como a redução do desmatamento, criam um constrangimento ético – avalia, lembrando o fato que somos um país em desenvolvimento e que a maior parte dos recursos e tecnologias estão nos países desenvolvidos.
A comitiva brasileira em Davos contou ainda com ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o assessor de Assuntos Internacionais, Celso Amorim, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. A ausência do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad foi criticada por especialistas.
Se o balanço da rápida passagem por Davos é pra lá de positivo, ao pousar no Brasil a ministra terá uma pedreira para enfrentar. A crise na Terra Indígena Yanomami, com a nova expansão do garimpo ilegal, e as chuvas de verão – que fizeram 13 vítimas só no Estado Rio no fim de semana e já provocam estragos no Sul do país – serão prioridade. Para ambas as tragédias nacionais, há planos em andamento, em todos os casos a implementação é complexa e há uma exigência grande de recursos.
– Eu e a Soninha (ministra dos Povos Indígenas) estivemos na Terra Yanomami e está sendo feita uma ocupação permanente com Polícia Federal, Exército, Marinha, Aeronáutica, Ibama, Funai na defesa da integridade dos indígenas e do território. A desintrusão de territórios indígenas não é um problema exclusivo dos ianomâmis e, como defende o presidente, deveria ter um orçamento próprio.
Em relação às chuvas, a ministra lembra que desde o ano passado está trabalhando em colaboração com diversas pastas do governo federal em um projeto que prevê a decretação de estado de emergência ambiental permanente em mais de mil municípios identificados como de grande vulnerabilidade pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A ideia é atuar na drenagem, contenção de encosta, transferência de moradias entre outras ações que possam reduzir as vulnerabilidade dessas regiões, já que é impossível evitar os eventos climáticos.
– A ideia é atuar de forma permanente para evitar os efeitos nocivos dos eventos climáticos. Não é simples, é preciso um arranjo governamental , municipal, estadual e federal. Esse projeto esbarra em entraves como a lei de licitação, que só permite hoje tratar como emergência depois que o fato acontece. Ou seja, será necessário mudar a regulação. É preciso atuar com transparência, compliance, trazer o Ministério Público, o Tribunal de Contas, é algo realmente inovador – diz a ministra.
Marina ressalta que o atendimento emergencial esta sendo feito pelo Ministério de Desenvolvimento Regional, mas admite que isso não é o bastante:
– O ministro Waldez (Góes) tem atuado para decretar emergência e oferecer os recursos para as prefeituras, muitas sequer têm como fazer um plano. Mas é preciso atuar também na prevenção e estamos trabalhando nisso juntos.
Fonte: O Globo