Direitos femininos que hoje são lei, como o voto e o acesso à educação, têm em suas histórias passagens bastante pitorescas — e, em alguns casos, machistas, principalmente no que diz respeito às primeiras vezes em que foram exercidos.
A primeira vez que uma mulher votou no Brasil, por exemplo, foi por intercessão do marido. A primeira formada em uma faculdade só conseguiu o diploma quase 80 anos depois de o ensino superior ser instituído no país. A primeira militar precisou se vestir de homem. E a primeira diplomata ouviu que era melhor ter continuado “à direção do lar”.
Veja oito mulheres que tiveram seus nomes cunhados na história do Brasil como pioneiras ao fazerem valer os seus direitos:
Voto da primeira eleitora foi “obra do marido”
O direito ao voto feminino no Brasil foi promulgado em 1932, mas no Rio Grande do Norte, o governador José Augusto Bezerra de Medeiros sancionou uma lei em 1927, antecipando essa possibilidade. Por isso, a primeira mulher a conseguir o registro eleitoral no Brasil foi uma potiguar, a professora Celina Guimarães Viana.
Segundo relatos de Celina, no entanto, esse direito foi uma “obra do marido”. Entusiasta da participação feminina nas eleições, Eliseu Viana fez a inscrição eleitoral da mulher e, assim, colocou o nome dela na história.
Prefeita falava em “igualdade política”
Foi também no Rio Grande do Norte que a primeira mulher foi eleita prefeita — no Brasil e na América do Sul. Alzira Soriano foi escolhida prefeita de Lajes com 60% dos votos, em 1928. Em seu discurso de posse, falou sobre o sonho de igualdade política estar se tornando realidade e que a prova era sua eleição ao posto de prefeita.
Divorciada fez lobby pela aprovação de lei
A juíza de paz Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar tinha 38 anos quando seu divórcio –o inaugural no Brasil– foi autorizado pela Justiça, em dezembro de 1977. Naquele mês, a lei regulamentando as separações de casais foi sancionada.
Em separação de corpos havia sete anos, em 1970, Arethuza chegou a ir para Brasília conversar com deputados e senadores para pedir que a lei fosse aprovada. “Ninguém deve fingir nada, nem por patrimônio nem pelos filhos”, disse ela em entrevista ao “Estadão”, em 2017.
Atleta olímpica era a única mulher na delegação brasileira
Trinta e três atletas representaram o Brasil nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1932. Uma era mulher, a nadadora Maria Lenk, primeira brasileira a representar o país na competição mundial.
Ela não conseguiu nenhuma medalha olímpica, mas em outras competições, quebrou recordes, ganhou campeonatos no Brasil e em outros países e cravou seu nome na natação como uma das primeiras atletas do mundo a adotar o estilo borboleta.
Morta em 2007, Maria Lenk dá nome a um dos principais torneios de natação do Brasil.
No Itamaraty, depois de ouvir que seria melhor continuar “à direção do lar”
A baiana Maria José de Castro Rebello Mendes foi aceita como diplomata no Itamaraty em 1918. Sua entrada no Ministério das Relações Exteriores foi contestada pela opinião pública, que não aceitava a possibilidade de uma mulher trabalhar nesta área. Foi preciso que um jurista, Ruy Barbosa, apoiasse publicamente sua inscrição para o cargo.
Ao aprovar seu nome, o então ministro Nilo Peçanha disse que “melhor seria, certamente, para o seu prestígio que continuasse à direção do lar, mas não há como recusar a sua aspiração.” Ela foi aprovada e tomou posse no mesmo ano, tornando-se não só a primeira diplomata, mas a primeira mulher a fazer carreira no serviço público brasileiro.
Autora de romance político e feminista
A paulistana Teresa Margarida Silva e Orta escreveu o livro “Máximas de virtude e formosura com que Diófanes, Climinéia e Hemirena, príncipes de Tebas, venceram os mais apertados lances da desgraça” em 1752, quando morava em Portugal.
É considerada a primeira autora de uma obra em língua portuguesa. A história narra a vida de Hemirena, uma mulher que muda seu nome para Belino e começa a viver como homem.
O livro faz uma defesa do acesso à educação por garotas e do direito ao trabalho para as adultas.
Primeira mulher na universidade entrou 80 anos depois do primeiro homem
O ensino superior foi fundado no Brasil em 1808, mas só quase 80 anos depois, em 1887, é que a primeira brasileira formou-se no país em Medicina. E isso, graças a um decreto, de 1879, que “autorizava” mulheres a frequentarem faculdades e obterem títulos acadêmicos. A pioneira em questão foi Rita Lobato Velho Lopes, que se graduou pela Faculdade de Medicina da Bahia. Ela foi também a primeira a exercer a profissão de médica no país.
Militar, mas vestida de homem
A baiana Maria Quitéria de Jesus Medeiros se vestiu de homem e se apresentou como soldado Medeiros para se alistar na artilharia brasileira no período das lutas pela independência, em 1822. Naquela época, mulheres não eram aceitas na vida militar.
Ela foi descoberta pelo pai duas semanas depois de entrar para o Batalhão dos Voluntários do Imperador. Mas, por causa de sua disciplina e habilidade com armas, foi mantida no grupo.
Condecorada por D. Pedro I, ficou conhecida como a primeira mulher a pertencer a uma unidade militar no Brasil.
Fontes: Instituto Joaquim Nabuco; livro “Mulheres do Brasil – A História Não Contada”, de Paulo Rezzutti (ed. Leya); UFBA (Universidade Federal da Bahia); TSE (Tribunal Superior Eleitoral; Ministério das Relações Exteriores; Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).
Diferentemente do que foi publicado, quem disse a frase sobre a inscrição de Maria José de Castro Rebello Mendes para atuar no Itamaraty foi o ministro Nilo Peçanha.