Tayná Leite mostra que as mães não são menos produtivas, mas mesmo assim recebem salários menores e menos propostas de trabalho
Muitas de nós não nos damos conta, mas a mera capacidade de poder engravidar – e não necessariamente querer/conseguir – talvez seja a nossa principal amarra quando se trata de reforçar a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Recente pesquisa publicada pelo New York Times, nos mostra que “quando ingressam no mercado de trabalho, homens e mulheres têm remuneração muito parecida. Mas nas décadas seguintes a diferença salarial entre os gêneros cresce de maneira significativa”. Ainda de acordo com o estudo, “a diferença salarial passa a ser mais acentuada entre o final dos 20 anos de idade e o começo dos 30, quando uma grande parte das mulheres têm filhos. Segundo os dados, mulheres solteiras e sem filhos conseguem manter a paridade salarial.”
Outro estudo, dessa vez de Stanford, oferecia aos participantes dois currículos idênticos de candidatas a um posto de consultoria de gestão, exceto pelo fato de que deles mencionava fazer parte de uma associação de pais e professores. Resultado: a mulher com filhos tinha chance de contratação 79% menor e ofertas salariais US$ 11 mil mais baixas.
Eu me lembro da primeira vez em que me perguntaram sobre filhos em uma entrevista de emprego e eu senti o peso dessa pergunta. A entrevista foi ótima e eu havia sido indicada pela própria diretora da área para participar do processo, mas pela primeira vez em toda a minha carreira saí da entrevista com um gosto amargo.
Não passei da primeira fase e fiquei com a nítida impressão de que teve tudo a ver com ter sido franca sobre os planos de engravidar. Isso foi em de 2014 (detalhe: eu só fui mãe em 2016 e saí da empresa em que trabalhava muito antes por outras razões absolutamente desconexas da maternidade!) e na ocasião quase todo mundo com quem conversei achava ok não se contratar uma mulher que diga que quer engravidar em breve e também que o entrevistador a inquira sobre isso (coisa que jamais fazem com homens by the way).
Vamos então refletir sobre alguns dos conceitos que fazem com que muitas empresas estejam perdendo talentos preciosos e com que tantas mulheres se vejam abrindo mão de suas carreiras, sonhos e independência financeira sem sequer poder questionar se aquela é de fato a melhor escolha para elas.
Mães são menos produtivas…
Particularmente sempre achei as mães extremamente focadas. A maioria delas volta da licença, enfia a cara no computador e praticamente só sai para reuniões, almoçar e ir ao banheiro (e olhe lá).
Pois bem, parece que a minha impressão tem fundamento estatístico, já que um estudo publicado pelo Federal Reserve Bank of St Louis analisou cerca de 10 mil mulheres por um período de 30 anos e também comparou dados considerando a quantidade de filhos que cada uma delas tinha. Mães de pelo menos dois foram consideradas as mais produtivas.
Mães dão prejuízo pois faltam ao trabalho para cuidar de filhos doente…
Sim, crianças ficam doentes e sim, elas precisam de cuidados! Agora, pasmem: estudos comprovam que o pinto não cai quando o pai leva o filho ao pediatra ou vai à reunião na escola sem a presença da mãe.
Eu acredito que como importante vetor de mudança de comportamento e pelo próprio peso que tem na vida das pessoas, empregadores podem (e devem) não apenas incentivar, como premiar, por exemplo, pais que se dediquem a dividir os cuidados na criação dos filhos.
Que tal gastar aquela verba bacana de endomarketing fazendo campanhas nesse sentido? Ou apenas não ser um chefe escroto que marca reunião às 19 assumindo que os filhos do seu funcionário “estão com a mãe”? Ou, ainda, não fazer aquela cara de anus com hemorroida quando o funcionário vier contar que chegará mais tarde pois tem consulta no pediatra? E NEM PENSE em perguntar: “mas e a mãe?”.
O instinto materno fala mais alto quando se trata de escolher entre cuidar dos filhos ou manter a carreira.
Convivo com muitas mulheres que acreditam terem largado suas carreiras para cuidar dos filhos por escolha própria. Ocorre que, em muitos desses casos, a “escolha” que lhes é apresentada está muito mais relacionada à dupla ou tripla jornada e aos rígidos padrões e formatos de trabalho do que efetivamente ao desejo de continuar trabalhando fora de casa.
Mulheres dedicam 26 horas semanais às tarefas domesticas enquanto os homens apenas 10. Ouvimos o tempo inteiro da sociedade que “os filhos e a família têm que vir em primeiro lugar” (na vida da mulher né?!) e que “ser mãe é padecer no paraíso” e fazer muitas renúncias, sendo a carreira apenas mais uma delas.
Enquanto isso procura-se: culpa paterna: recompensa alta!
Aliás, toma aí uma notícia: homem atrapalha mais que filho! Ok, ok, a maioria das mães já sabe disso, mas agora temos evidências: um estudo (meu irmão sempre diz que em discussão comigo tem que levar estatística para começar a brincar!) publicado pela Harvard Business School feito com mais de 25.000 ex alunos e alunas mostra que ser casada (ou ter um marido) atrapalha mais a carreira de uma mulher do que ter filhos!
Quem pariu Mateus?
Vivemos em uma sociedade que acredita que a educação e a criação de uma criança são responsabilidades exclusivas da mãe, e tratamos a maternidade como se fosse um capricho da mulher, uma escolha pessoal. Como se não houvesse, no mínimo, uma segunda pessoa envolvida nesta equação. Somos a sociedade em que mulheres estão sobrecarregadas, exaustas e são constantemente culpabilizadas, agredidas e julgadas em praça pública. Uma sociedade em que uma mãe que deixa os filhos com o pai é acusada de abandono, mas homens fazem isso o tempo todo com passe livre para serem felizes com “suas novas famílias”.
De outro lado, a ciência nos traz cada vez mais evidências da importância dos primeiros mil dias na formação física, emocional e cognitiva dos bebês (que, tcharã, flash news: virão a se tornar adultos que podem ou não encherem o saco das pessoas a depender da forma como os criamos).
Basta ler meia dúzia de comentários em qualquer notícia de internet para atestar que estamos falhando na porra toda! Aliás, não façam isso em casa! Toda vez que descumpro minha própria regra quero apenas chorar em posição fetal e correr para as colinas clamando pelo meteoro!
O que fazer então?
A forma mais prática e rápida de equilibrar essa balança, ao menos no mercado de trabalho, me parece ser acabar com a licença maternidade e instituir uma licença familiar para homens e mulheres que tenham filhos. Sejam esses filhos biológicos ou adotivos, sejam de dois homens, duas mulheres ou um homem e uma mulher.
Muitos outros problemas surgem com esse tipo de proposição também: e os pais ausentes que se beneficiariam da licença sem, em contrapartida, compartilhar os cuidados com o bebe? E a amamentação? E o ônus para as empresas? E? E?
Tudo isso é assunto para outro texto…
Até lá!
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Fonte: AZMina