Na democracia que arduamente estamos restabelecendo em 2023, não pode haver tolerância para a violência política contra as mulheres. A prática de exclusão, os ataques presenciais e virtuais, o ódio explícito e as barreiras sistemáticas ao livre exercício dos direitos políticos das mulheres são um fenômeno global que tem crescido perigosamente no Brasil, naturalizando violações dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
As mulheres, aqui compreendidas e respeitadas na pluralidade de seus corpos e existências formadoras da maioria da população, são também diversamente afetadas pelos obstáculos ao exercício do poder, ainda que todas sejam alvo. O racismo e a LGBTfobia avolumam a agressividade e a intensidade das ações contra as mulheres negras, indígenas, LBTs, nordestinas, empurrando-as ainda mais à margem.
A violência política é causa e consequência da sub-representação de gênero e raça na política brasileira, no poder público e nas instâncias de poder de maneira geral.
É contra esse cenário de constante insegurança, beirando uma epidemia de violência que inibe a chegada, a presença e a permanência feminina no desempenho de funções na vida pública, que o Estado brasileiro vem dar uma resposta e se implicar na erradicação do fenômeno. Uma responsabilização que precisa ser compartilhada por toda a sociedade, pois estamos diante de um ataque orquestrado à democracia.
Como ministras de Estado, nos erguemos para assegurar o que é mais inegociável para nós: a liberdade de existir, o respeito, o acesso a direitos e a garantia de poder exercer nossas máximas potencialidades na vida pública (e em qualquer espaço). Se não agora, quando? Se não neste governo, em qual? Afinal, ainda somos poucas, mas representamos a ocupação recorde de mulheres na história do Brasil, em toda sua diversidade, nos cargos de primeiro escalão.
Estamos viabilizando uma ação concreta com o estabelecimento do Grupo de Trabalho Interministerial de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres.
Isso representa a institucionalização deste debate no Governo Federal, entendendo que este também é um problema de Estado. Um avanço que é fruto do nosso tempo histórico e dá sequência a uma luta que nos antecede, com a qual aprendemos e honramos, que é feita com muita qualidade pelos movimentos sociais de mulheres e por pesquisadoras na academia. Nunca este tema foi tratado nesta dimensão, à luz do dia, com nome e sobrenome.
Sob a coordenação do Ministério das Mulheres, com a participação dos Ministérios da Igualdade Racial, dos Povos Indígenas, da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos e da Cidadania, o grupo tem a missão e o compromisso de formular uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres. Isto será feito coletivamente, com escuta e troca entre os órgãos e com a sociedade.
O plano em construção terá necessariamente nossa realidade particular como foco:
- sejam as ameaças e ataques a vereadoras negras e LBTs, cerceamentos a deputadas estaduais, tentativas de silenciamento de deputadas federais, como as seis parlamentares denunciadas ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por terem se manifestado contra crimes ambientais.
- seja a violenta ação em confraria partidária para aprovação do Projeto de Emenda à Constituição (PEC 09/2023) que pretende anistiar partidos descumpridores das cotas eleitorais de gênero e raça, com destaque para o repasse mínimo de recursos a candidaturas de pessoas negras e mulheres, entre tantos outros casos e formatos de intimidação que se avolumam gravemente.
O plano vai pensar estratégias e diretrizes para enfrentar as dinâmicas de violência em constante atualização, que inibem a participação política ampla, envolvendo as candidatas, eleitas, eleitoras, mulheres nos partidos, no poder público, ativistas, comunicadoras, pesquisadoras e todas as que atuam ou orbitam os espaços de poder.
Estarão na mesa a formatação de incidências para o cotidiano de microviolências e a atenção especial aos períodos eleitorais, quando as agressões se agudizam como estratégia de enfraquecimento das candidatas em disputa e influência do resultado eleitoral em desfavor de todas as mulheres, especialmente as mais vulnerabilizadas.
A Política Nacional se alimentará dos acúmulos já existentes e exitosos, em marcos legais, pesquisas e experiências latino-americanas que encaminham para a necessidade de reconhecer a esfera política como espaço de violência, conceituar concretamente as expressões e incorporá-las nas legislações, aperfeiçoar os protocolos de reação no interior dos Poderes, dos partidos, da Justiça Eleitoral e ainda trabalhar a prevenção e a conscientização sociopolítica sobre o tema.
Estamos prontas — sempre estivemos — para romper a tradição do silêncio que reforça a opressão adoecedora das mulheres plurais que fazem política. Estamos prontas, e juntas, para dar nome aos crimes de ódio às mulheres plurais que fazem política. Estamos prontas, e juntas, para dar nome aos crimes de ódio às mulheres, à misoginia, ao racismo, às expressões de violência que atrofiam a democracia e geram efeitos perversos para toda a sociedade.
*Cida Gonçalves é ministra das Mulheres, Sonia Guajajara é ministra dos Povos Indígenas e Anielle Franco é ministra da Igualdade Racial.