O suicídio é a segunda maior causa de morte entre mulheres de 15 a 29 anos na cidade de São Paulo. Em 2014 foram registrados 40 casos de suicidio de mulheres jovens. Esse tipo de morte ficou atrás apenas dos homicídios, que mataram 59 mulheres desta faixa etária.
Os dados são do Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (Pro-Aim), da Prefeitura de São Paulo, feitos com base em atestados de óbito, obtidos com exclusividade peloG1.
Entre os homens jovens, o número foi mais que o dobro – 91 casos. Mas, como o número de mortos por outras causas como homicídios e acidentes de trânsito são muito altos, o suicídio fica só em quarto lugar entre as causas de morte.
O médico psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Teng Chei Tung disse que o suicídio “está muito associado a quadros psiquiátricos, como depressão ou uso de drogas. Nas grandes cidades, a mulher tem mais chance de ter depressão, pois o estilo de vida urbano é sobrecarregado. A pressão é muito grande. A mulher tem de cuidar da casa, dos filhos e trabalhar. Isso tudo piora a condição de saúde mental.”
Para o médico, as mulheres costumam dar sinais. “É bem comum as mulheres comentarem que estão deprimidas ou que estão pensando em desistir com pessoas próximas. Isso pode ser um pedido de socorro.”
Mensagem no celular e carta de despedida
O pai lembra o horário exato. Às 16h59 do dia 6 de março de 2007, recebeu uma mensagem da filha no celular: “Pai, reza muito por mim. Estou precisando muito das suas preces.” No mesmo dia, a jovem de 25 anos se jogou do oitavo andar do prédio onde trabalhava.
O administrador, hoje com 59 anos, prefere não se identificar. Ele contou que a filha sofria de depressão e tinha transtorno bipolar. Ela tentou o suicídio cinco vezes, tomando comprimidos e cortando os pulsos, por exemplo.
A jovem fazia faculdade de Direito. Nas crises, o pai contou que ela entrava em desespero porque “não conseguia assimilar mais o que aprendia na faculdade”. Ela fazia tratamento com um psiquiatra. “Mas chegou uma época que ela não aguentou mais, escreveu uma carta pra mim, pra mãe, pro namorado, dizendo que ela tinha chegado no limite.”
A família tenta se recuperar emocionalmente até hoje, e o pai mudou o modo de pensar sobre o assunto. “Antes eu só pré-julgava, e quando acontece com a gente, a gente vê que a coisa não é bem assim.”
Check–up emocional
Há 23 anos, Carlos Correia, 62, passa pelo menos quatro horas da sua semana atendendo pessoas com intenção de cometer suicídio. Ele é voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV). Correia disse que percebeu um aumento no número de jovens que procuram a associação e que, no atendimento por Skype e e-mail, até pela familiaridade com a plataforma, a demanda de jovens é muito grande.
O veterano voluntário acredita que, com a mesma frequência que as pessoas fazem check-ups de saúde, também deveriam ter o costume de fazer um “check-up emocional”. Ele disse que muitos vivem como uma “panela de pressão”.
“Se eu não perceber como está o meu emocional, ele é como um copo de água, vou pondo mais dentro, mais, mais, e posso ser surpreendido por uma gota d’água que vai fazer transbordar”, completa.
No final do ano, as ligações aumentam. Segundo Correia, é nessa época que “acontecem muitas coisas”, como vestibular, aprovação de ano nas escolas, primeiro Natal ou Ano Novo após uma separação, demissões de empresas.
Nem sempre alguém que liga para o CVV quer se matar. “A pessoa vive sozinha, mas precisa ouvir uma voz humana, dar uma ligadinha para ouvir um boa noite.”
Para ajudar, as pessoas próximas não devem minimizar o sofrimento alheio, aconselha Correia. “Para você pode ser apenas um grão de areia, mas para quem tá sofrendo pode ser uma montanha intransponível.”
Tabu e prevenção
O psiquiatra José Manoel Bertolote, da Unesp, disse que o suicídio é um tabu não só no Brasil como em outros países. Ele trabalhou por 20 anos na Organização Mundial de Saúde (OMS), e ajudou a montar a cartilha mundial de prevenção ao suicídio.
Segundo ele, 85% das pessoas que cometem suicídio têm transtornos mentais que poderiam receber tratamento. Os mais frequentes são depressão, alcoolismo e esquizofrenia.
O psiquiatra considera que esse tipo de tratamento ainda é muito defasado no Sistema Único de Saúde (SUS). “A saúde mental é muito precária, e esses pacientes com esses casos não têm onde ser atendidos.” Segundo ele, uma consulta nos Centros de Atenção Psicossociais (Caps) demora para ser marcada, e “o tempo do suicida é agora”.
Como exemplo, o profissional citou a Hungria, que há 10 anos tinha altas taxas de suicídio. “Foi implantado um treinamento específico a todos os clínicos gerais do país, e a taxa de suicídio caiu pra menos da metade.”
Fonte: globo.com