Durante a sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, realizada nesta quarta-feira (28), senadoras reagiram duramente a falas de colegas homens que minimizaram as dificuldades enfrentadas por mulheres na política. O debate girou em torno das cotas de gênero propostas no novo Código Eleitoral, que prevê mudanças significativas na participação feminina nas eleições.
Entre as declarações controversas, alguns senadores alegaram que “mulheres não querem ser candidatas” e que “é preciso se preocupar com o nível” dos nomes apresentados. As falas foram imediatamente rebatidas pelas senadoras presentes.
“Não temos defeito de fábrica”, afirmou a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), criticando a ideia de que as mulheres seriam naturalmente menos inclinadas à política. “Aqui ninguém chegou por acaso. É muito complicado quando falas indicam que a mulher tem algum ‘defeitinho’ que a impede de atuar politicamente. Não temos problema no nosso DNA, nem físico, nem biológico que nos afaste da política”, completou.
O que propõe o novo Código Eleitoral?
O texto relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) prevê, pelos próximos 20 anos:
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Reserva de 20% das cadeiras no Legislativo para mulheres (Câmaras Municipais, Assembleias e Congresso);
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Destinação de 30% do tempo de campanha no rádio e na TV para candidaturas femininas;
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Aplicação de ao menos 30% dos recursos eleitorais para mulheres.
Essas medidas substituem a regra atual que exige que os partidos preencham ao menos 30% de candidaturas femininas em suas chapas proporcionais. Segundo Castro, a proposta visa evitar a judicialização e as chamadas “candidaturas laranjas”, que, segundo ele, surgem pela obrigatoriedade numérica. “Estamos tirando a obrigatoriedade de candidaturas femininas porque isso traz transtornos imensos aos partidos”, disse.
O projeto também determina que os recursos de campanha destinados às mulheres sejam liberados até o dia 31 de agosto, como forma de garantir maior igualdade no financiamento.
Críticas e contrapontos
Apesar das boas intenções declaradas, o relator foi contestado ao mencionar que a maior barreira à participação feminina seria o sistema eleitoral. Ele citou o Brasil como o 137º país em representatividade feminina no parlamento, e lembrou que mais de 700 municípios brasileiros não têm uma única vereadora eleita.
A senadora Soraya Thronicke destacou que países latino-americanos como México, Bolívia e Argentina já alcançaram paridade no Legislativo. “Com toda essa democracia, ainda não conseguimos isso”, lamentou.
Já o senador Jayme Campos (União-MT) sugeriu incluir no projeto uma cláusula de qualidade dos candidatos. Citou o exemplo de uma candidata que teria usado verba pública para pagar despesas veterinárias. A declaração gerou reação imediata.
“Sua fala sugere que mulheres sequer sabem por que são candidatas. Isso é inadmissível”, rebateu Eliziane Gama (PSD-MA), que também lembrou que muitos homens também têm comportamentos semelhantes. Jayme tentou se justificar, dizendo que a crítica valia para ambos os sexos.
“Mulheres não querem ser candidatas”?
Outro momento polêmico envolveu o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que defendeu que as presidências dos diretórios estaduais fossem obrigatoriamente ocupadas por mulheres – com o argumento de que seria difícil encontrar mulheres dispostas a se candidatar. “A maior dificuldade do mundo é colocar mulher para ser candidata”, afirmou.
A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) rebateu a fala. “Dizer que não consegue montar chapa com mulher não cola. Formar nominata é difícil para homens e mulheres. Não vamos abrir mão do que conquistamos”, disse. Ela ainda lembrou que, no Rio Grande do Norte, 40% das prefeitas são mulheres, dentro das regras atuais.
Ofensas à ministra Marina Silva
As discussões ocorrem um dia após outro episódio polêmico envolvendo gênero no Senado. Durante uma sessão da Comissão de Infraestrutura, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi interrompida diversas vezes, teve seu microfone cortado e foi alvo de falas consideradas misóginas.
Ao rebater o presidente da comissão, senador Marcos Rogério (PL-RO), que a mandou “se colocar no seu lugar”, Marina reagiu: “O senhor quer que eu seja uma mulher submissa. E eu não sou”.
Outra fala polêmica veio do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que afirmou: “A mulher merece respeito, a ministra, não”. Marina classificou o episódio como uma agressão e anunciou que avalia medidas jurídicas.
Ministras, senadoras e a primeira-dama Janja Lula da Silva repudiaram o episódio, que foi chamado de “grave”, “misógino” e “absurdo”.
Fonte: G1