Julgamento foi suspenso após pedido de Barroso para caso ser analisado no plenário presencial
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, votou nesta sexta-feira (22) a favor da descriminalização do aborto em mulheres com até 12 semanas de gestação. Após a posição da ministra, o ministro Luís Roberto Barroso pediu que o caso seja julgado no plenário presencial — ainda não há data para que isso aconteça.
A ministra é relatora de uma ação apresentada pelo PSOL em 2017 que pede ao STF que se manifestasse sobre a interrupção da gravidez.
Em um voto com mais de 100 páginas, a ministra defendeu que estudos mostram que a criminalização não é a melhor política para resolver os problemas que envolvem o aborto, sendo que a chamada justiça social reprodutiva, “fundada nos pilares de políticas públicas de saúde preventivas na gravidez indesejada, revela-se como desenho institucional mais eficaz na proteção do feto e da vida da mulher”.
Segundo a ministra, “a criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta”.
A ministra cita pesquisas indicando que as mulheres negras e de classe social mais baixa são as maiores afetadas pelos abortos ilegais.
“Ainda, cumpre assinalar que abortos inseguros e o risco aumentado da taxa de mortalidade revelam o impacto desproporcional da regra da criminalização da interrupção voluntária da gravidez não apenas em razão do sexo, do gênero, mas igualmente, e com mais densidade, nas razões de raça e condições socioeconômicas. O argumento da interseccionalidade assume ponto de relevância no discurso jurídico sobre a criminalização do aborto, na medida em que descortina todos os véus da discriminação estrutural que assola a sociedade brasileira e suas instituições, públicas e privadas”, disse.
Rosa Weber afirmou que cabe ao Estado atuar para garantir correções de vulnerabilidades que impedem o efeito exercício do direito à vida, que não se restringe ao nascimento.
“Depender do estágio de desenvolvimento biológico do feto, diminui-se o interesse em sua proteção face à precedência da tutela dos direitos da mulher”, disse.
A ministra aponta que a criminalização do aborto foi determinada numa época em que as mulheres eram excluídas de definirem suas próprias vidas, sendo que a “maternidade e os cuidados domésticos compunham o projeto de vida da mulher, qualquer escolha fora desse padrão era inaceitável e o estigma social, certeiro”.
Rosa Weber disse que as mulheres foram silenciadas e não conseguiram participar da definição de algo que dizia respeito ao direito das próprias mulheres, que é o sistema reprodutivo.
Para a ministra, “a descriminalização, por outro lado, ao permitir procedimentos seguros à integridade física da mulher, igualmente desvela o véu da discriminação fundada no gênero, ao redirecionar o investimento para políticas de direitos reprodutivos e sexuais. Isto é, em políticas de modernos sistemas de contracepção, saúde com informação adequada, com apoio psicológico e estrutura no planejamento familiar”.
“A dignidade da pessoa humana, a autodeterminação pessoal, a liberdade, a intimidade, os direitos reprodutivos e a igualdade como reconhecimento, transcorridas as sete décadas, impõem-se como parâmetros normativos de controle da validade constitucional da resposta estatal penal”, afirmou.
A ministra defendeu que não cabe ao Supremo não atuar para garantir princípios constitucionais diante da inércia do Legislativo.
“Não pode o Supremo Tribunal Federal, segundo penso, furtar-se ao dever de fazer valer a Constituição da República diante de ato do Poder Legislativo materializador de escolha política que, ao sacrificar os direitos fundamentais das mulheres protegidos pela Constituição, ingressa em terreno que lhe fora interditado.”
“É dever deste Supremo Tribunal Federal, como instituição que tem por função precípua a guarda da Constituição, reconhecer a não recepção dos atos normativos que obstaculizam a operação da democracia e a proteção adequada e suficiente dos seus direitos fundamentais, em particular a tutela adequada do valor intrínseco da vida humana, em toda sua complexidade que assume no ordenamento constitucional”, continuou.
Análise
O caso começou a ser julgado no plenário virtual da Corte, quando os votos são inseridos no sistema eletrônico. Os ministros podem apresentar seus posicionamentos até o dia 29 de setembro.
Rosa Weber decidiu levar o caso para análise no plenário virtual diante da proximidade de sua aposentadoria. A ministra deixa a Corte no dia 2 de outubro, quando tem de se aposentar compulsoriamente ao completar 75 anos.
Atualmente, o aborto é autorizado no Brasil em três situações:
- se houver risco de morte para a mulher por causa da gestação;
- se a gravidez foi provocada por estupro;
- se o feto é anencéfalo (sem cérebro).
O PSOL entrou com uma ação pedindo liberação do aborto para grávidas com até 12 semanas de gestação. O partido questiona a criminalização do aborto, citada nos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940.
A norma, segundo o PSOL, viola preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde, entre outros.
Dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostram que uma em cada sete mulheres com idade próxima de 40 anos já realizou pelo menos um aborto, sendo que 43% delas tiveram que ser hospitalizadas para finalizar o procedimento.