RIO – Em um estupro coletivo, a “melhor parte” é a conjunção carnal, “dependendo da vítima”. O comentário feito durante a última etapa do concurso do Ministério Público, na quarta-feira, deu fama nacional ao promotor Alexandre Couto Joppert. Mais do que “incômodo ou desconforto”, como disse na nota em que tentou esclarecer o episódio, ele causou perplexidade e revolta em mulheres do país inteiro. Mas foi além. Como não sabia que estava sendo gravado por um dos aspirantes a promotor, sentiu-se à vontade também para dizer, como revelado em novo áudio, que, se um estuprador “ejacula cinco vezes, é um herói”.
Por telefone, a secretária do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU em Genebra, Margarida Pressburguer, defende a exoneração do promotor, a quem define como “incapaz” para a função. Segundo Margarida, “quanto mais ele tentar pedir desculpas, mais vai expor o seu machismo”.
— Isso reforça que estamos cada vez mais no caminho certo ao denunciar o machismo do brasileiro. O promotor demonstra menosprezo à figura da mulher. É indesculpável, pois cabe ao Ministério Público a defesa da honra e dignidade dos cidadãos. Ele não tem capacidade moral de pertencer ao MP, tem que ser exonerado — afirma a ex-subsecretária de Políticas para Mulheres do Estado do Rio.
EPISÓDIO VAI SER INVESTIGADO PELO MP
Parece papo machista de botequim, mas tudo foi dito na banca examinadora de ingresso em uma das instituições de maior prestígio na sociedade. Tentando justificar-se após as declarações, o promotor pediu “as mais sinceras escusas”. Escreveu na mesma nota que, ao mencionar a “melhor parte”, referia-se à “opinião hipotética do próprio praticante daquele odioso crime contra a dignidade sexual”.
Sobre a frase “dependendo da vítima”, alegou que imaginava uma “eventual capacidade aumentada de resistência física da imaginária ofendida”, dando como exemplo que ela poderia ser “lutadora de artes marciais”. O pedido de desculpas foi feito na quarta-feira, antes de o áudio em que o estuprador é comparado a um “herói” ser divulgado. Procurado pelo GLOBO, Joppert não foi encontrado, nem retornou o pedido de entrevista. Chefe do promotor, o procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Martins Vieira, também não quis falar. Violência mulher – 24/06
Foi por determinação do procurador-geral que Joppert se tornou, no dia 21 de janeiro deste ano, seu assessor na área criminal. Após as declarações, Marfan autorizou a abertura de procedimento para investigar a conduta do promotor durante a prova oral do concurso. O processo será presidido pelo subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Institucionais e Judiciais, Alexandre Araripe Marinho. Segundo nota do MP, “após ouvir o promotor e instruir os autos com todos os elementos de prova relacionados ao fato, ele encaminhará os respectivos autos ao procurador-geral de Justiça para decisão na esfera administrativa”. Se ficar “caracterizada qualquer infração de outra natureza, novas providências podem ser tomadas”, disse a nota, sem especificar que medidas são cabíveis num caso como esse.
O Ministério Público não informa que prazo o promotor terá para apresentar sua defesa, nem o tempo que o procedimento poderá durar. Pesquisadoras de questões de gênero, criminalistas e associações de defesa dos direitos das mulheres ficarão de olho.
Luciana Boiteux, professora de direito penal e criminologia da UFRJ, afirma que “essa forma de se expressar em relação a um caso de estupro reflete exatamente como uma vítima é vista em processos criminais”.
— É justamente isso que faz com que muitas mulheres deixem de registrar queixa. O Poder Judiciário, no dia a dia, “revitimiza” a vítima. Todo essa machismo se reflete no cotidiano do Fórum. A palavra da vítima vale menos do que a forma como ela se veste e sua conduta anterior ao crime — afirmou. — Precisamos romper com isso. Não é um fato isolado esse deboche, essa falta de respeito com a vítima. Por mais que tenhamos avançado com as conquistas do movimento feminista, o fato é que a Justiça é extremamente machista.
SOCIÓLOGA CITA “VIOLÊNCIA EPIDÊMICA”
Joppert participou de um caso de grande repercussão recentemente: o processo que o pré-candidato a prefeito Pedro Paulo Teixeira responde por agressão à ex-mulher, Alexandra Mendes Marcondes, que o acusou de tê-la atacado com socos, chutes e empurrões. Mas, diante do promotor, quando foi ao MP espontaneamente, no dia 4 de novembro, Alexandra fez uma curta declaração, na qual mudou a versão dada à Polícia Civil: desta vez, falou em “agressões recíprocas”, desmentindo documento divulgado três semanas antes pela assessoria de Pedro Paulo, que negava qualquer agressão. Durante o depoimento, Joppert disse que não faria perguntas a Alexandra, por causa do foro privilegiado do político, deputado federal licenciado. O processo foi remetido ao procurador-geral, que o encaminhou a Brasília.
A socióloga Ana Liési Thurler, doutora em relações sociais de gênero e militante feminista, vê no episódio o que chama de “machismo ortodoxo”.
— As mulheres sofrem uma violência epidêmica no Brasil. Subimos da sétima para a quinta colocação no ranking mundial de violência contra as mulheres. Daqui a pouco, vamos tirar o lugar do Congo, que está em primeiro lugar. Promotores deveriam ser referências na sociedade. Esse sujeito tem que ser exonerado já. Parecia estar numa mesa de bar, mas estava numa situação institucional. É um machão rasteiro. O MP precisa reagir com uma atitude exemplar.
Fonte: O Paraná