A professora Diva Guimarães fez uma fala durante a mesa “A pele que habito”, que reuniu o ator e uma jornalista para falar sobre racismo
A professora aposentada negra Diva Guimarães, de 77 anos, de Curitiba, fez o ator Lázaro Ramos chorar de emoção na manhã desta sexta-feira (28). Ovacionada por mais de 500 pessoas, a professora saiu consagrada como a musa da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, que está na 15ª edição.
Durante a mesa “A pele que habito”, que reuniu Ramos e a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques para falar sobre racismo, a paranaense Guimarães pediu o microfone para fazer uma pergunta e acabou fazendo um depoimento sobre discriminação.
Ela, que começou a trabalhar aos cinco anos, é neta de escravos e filha da lavadeira. “Quando eu era criança, as freiras me contaram uma história de como Deus abençoou um rio e mandou todos os homens tomarem banho nele. Os mais trabalhadores e inteligentes chegaram primeiro, mergulharam no rio e saíram brancos. Já os mais preguiçosos chegaram tarde e só havia um restinho de água. Por isso continuaram negros, só com a palma das mãos e a planta dos pés brancos”, disse, entre lágrimas. “Os negros não são preguiçosos, este país vive hoje porque meus antepassados trabalharam muito”, disse Guimarães, que foi aplaudida de pé.
“Sou uma sobrevivente pela luta e pela educação”, disse. Ela contou que a mãe insistiu que ela estudasse e lavava roupa em troca de material escolar. Guimarães se formou e trabalhou como professora durante 40 anos, alfabetizando crianças e adultos. Hoje vive em Curitiba com uma aposentadoria de R$ 1.600.
“As pessoas falam bem de Curitiba, dizem que é uma cidade europeia, vai ver como é para os negros que moram na periferia.”
“A senhora quer matar a gente”, disse Lázaro Ramos, chorando. “Meu coração está pequenininho. A senhora falou uma coisa muito importante precisamos investir em educação pública de qualidade.” O ator foi aplaudido e a plateia começou a gritar “Fora, Temer”.
Ramos, autor de “Na Minha Pele”, livro brasileiro de não-ficção mais vendido do país, disse que é importante o branco tomar consciência de sua “branquitude”. “Estou muito feliz de ver essa plateia aqui cheia de brancos, preconceito não é uma questão só dos negros, todo mundo faz parte do problema e da solução.”
Já a jornalista portuguesa fez uma série de reportagens sobre a herança racista nas ex-colônias portuguesas na África, assunto que, segundo ela, é ignorado pelos livros de história do país. “A ideia era desconstruir o mito de que Portugal tinha sido um bom colonizador.”
Para concluir, Ramos leu um capítulo que escreveu para seu livro, mas acabou excluído. “Não somos só duas coisas, petralhas ou coxinhas, PT ou PSDB. Somos muito mais”, leu.
“Chamamos os políticos eleitos de governantes e não de servidores públicos, que é o que eles são. A crise não é só política ou econômica, vivemos uma crise civilizatória.” E concluiu com uma pérola de sabedoria de sua avó. “Minha avó Edith diria que o primeiro passo é ter vergonha na cara.” Muito aplaudido.
Ao final, dezenas de pessoas foram tirar selfies e abraçar Diva, que chegou a autografar vários exemplares do livro de Lázaro Ramos. É a primeira vez que a professora vem à Flip. “Sempre foi meu sonho, agora que estou no bico do urubu, resolvi vir”
Veja o vídeo com o depoimento da professora:
Fonte: Gazeta do Povo