Negociadores da Noruega sugeriram tirar do acordo do clima os temas dos direitos humanos e igualdade de gênero
Você sabia que as mulheres são responsáveis por entre 50 e 80% de toda a produção de alimentos mundialmente, mas têm menos de 10% de todo o território agrícola? Que 20 milhões das 26 milhões de pessoas que tiveram que se deslocar em ocorrência das mudanças climáticas são mulheres? Mulheres, sim, as mulheres! Elas são as mais expostas a violência devido aos impactos extremos damudança do clima.
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Falar, negociar, discutir e, claro, criar um novo acordo vinculante sobre mudanças climáticas a nível global não pode ser pensado sem assegurar importantes tópicos como direitos humanos, questões de gênero.
Na última quarta (02/12), no início dos trabalhos de negociação da COP 21 em Paris, negociadores da Noruega propuseram a retirada de qualquer menção a esses temas no artigo 2 do documento. Esse item trata dos purposes (propósitos) do novo acordo global sobre clima que será negociado aqui em Paris, até o final da semana que vem.
Segundo os negociadores da Noruega, direitos humanos – que engloba também todos os outros temas, como gênero e equidade –não são propósitos dessa negociação. “Essa negociação é sobre mudanças climáticas”, eles afirmaram.
Mas como podemos dissociar um acordo tão importante como mudanças climáticas com a garantia de direitos humanos básicos? As Nações Unidas afirmam que é a parcela mais pobre da população mundial que mais sofre com os impactos de eventos extremos de clima, dessa parcela, 70% são mulheres. Não falar sobre isso é se esquivar de um dever moral e de empatia com questões de tal importância.
Quando nos negamos a debater sobre direitos humanos no acordo de Paris, estamos também nos negando a falar sobre a garantia de direitos a coisas como vida, água e saneamento, segurança alimentar, saúde, moradia, auto determinação dos povos, cultura e desenvolvimento. Uma coisa os negociadores poderiam aprender com a juventude que participa desse debate: o acordo de Paris não é só sobre mudanças climáticas, e isso já sabíamos bem antes de sair do Brasil.
Os mesmos negociadores da Noruega propuseram que se quisermos manter direitos humanos e equidade no texto, isso poderia ser alocado no preâmbulo do acordo. Porém, se colocarmos esses tópicos no preâmbulo isso implicaria na inexistência de força legal vinculante para a execução de ações que garantam os temas propostos, o que difere se eles permanecerem no artigo dois.
Nós, do Engajamundo, não só defendemos a inclusão de direitos humanos no acordo, mas também a do princípio de equidade intergeracional, que se baseia na ideia no direito das futuras gerações de ter o mesmo acesso aos recursos naturais que a nossa geração tem. Para isso, continuaremos aqui fazendo o nosso lobby, tentando traduzir esses temas complexos para vocês aí no Brasil, mas também tentando criar um pouco de humanidade em todos esses processos mecânicos da COP21. Acreditamos no nosso poder de transformação, agora só esperamos que os negociadores reconheçam isso.
Papeis e acordos não podem valer mais do que a vida de pessoas, que amam, que sentem, que estão em contato com a natureza, e que estão sentindo extremamente os impactos do quanto erramos em nossos processos de desenvolvimento e progresso.
*Iago Hairon é coordenador do grupo de trabalho de clima da ONG Engajamundo
Fonte: Época