Maíra tem cabelo black power, Jane é gordinha, Luma é negra e namora um rapaz branco, Emilly é transsexual, Cecília faz pole dance, Laís é atriz pornô e Paula, dona de casa. Todas são alvo de julgamentos numa sociedade (real) acostumada a cercear a liberdade das mulheres. E, por isso, foram transformadas em personagens inspiradoras no mundo (virtual) da ilustradora mineira Carol Rossetti. Os desenhos, reunidos em página no Facebook com mais de 250 mil curtidas foram transformados no livro Mulheres (Sextante, R$ 39,90) e se tornaram mais uma voz ecoada da internet contra a doença do machismo e a opressão feminina, como as páginas pernambucanas Mulher que luta (1,4 mil curtidas) e Capitolina (23 mil curtidas).
A personagem pioneira, Marina, foi desenhada em abril de 2014. É uma mulher que gosta de usar vestidos listrados, mas se preocupa porque as revistas de moda dizem que esse modelo não combina com o corpo dela. “Liga para as revistas não, Marina. O importante é usar o que gosta e se sentir bem com o próprio corpo”, aconselha o quadrinho. O nome de Marina, assim como o de todas as figuras que a sucederam, é aleatório, mas o conselho feminista é proposital. As “meninas” de Carol são fruto de experiências pessoais, de pessoas conhecidas ou, ainda, sugeridas por leitoras. “No começo, o intuito era encorajar minhas amigas. Depois, a iniciativa alcançou milhares de pessoas e tornou o debate sobre feminismo mais acessível, mais leve”, diz Carol. “Não é porque minhas protagonistas são femininas que esse é um projeto apenas para garotas.”
O que começou como um passatempo – ela é designer gráfica e queria treinar as próprias técnicas com lápis de cor, se propondo a fazer um desenho por dia – se transformou em livro. Hoje, além de uma agente literária pessoal, que a representa nos EUA, Carol tem quadrinhos traduzidos para inglês e espanhol e planeja lançamento de Mulheres nos EUA, no México, na Espanha e em Portugal – os três primeiros já negociados. Em setembro, autografa exemplares na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Enquanto migra para outros projetos no ambiente virtual – a ilustradora não cria novas mulheres há algumas semanas, mas já publica aquarelas voltadas ao público infantil – ela reforça que a inspiração não vem, necessariamente, de personalidades históricas. Cita páginas semelhantes, como Desalineada (14 mil curtidas, da também mineira Aline Lemos) como referência. “O projeto também é sobre encontrar inspiração em pessoas comuns. Nelas, principalmente.” À lista, somam-se cada vez mais páginas voltadas ao debate de gênero e ao empoderamento feminino.
SERVIÇO
Mulheres
Editora Sextante, 160 páginas
R$ 39,90
>> OUTRAS PÁGINAS <<
Mulher que luta
1,4 mil curtidas
facebook.com/pages/Mulher-que-Luta
A página, administrada pela pernambucana Mariana Castro, publica perfis de mulheres engajadas na luta por direitos ao longo da história, entre artistas, governantes e líderes sindicais. Entre elas, Maria da Penha Maia Fernandes (inspirou para a Lei Maria da Penha). “Sempre deixo bem claro as fontes de pesquisa e também sempre peço sugestões, para que todos se sintam participando da luta. É gratificante receber mensagens de mulheres do Brasil inteiro agradecendo pela criação da página e pela oportunidade de conhecer tantas mulheres que não encontramos nos nossos livros de história”, diz Mariana. Ela acredita que qualquer forma de esclarecimento feminista é sempre muito bem vindo, e considera a abordagem de Carol Rossetti sobre o tema encantadora.
Capitolina
23 mil curtidas
facebook.com/capitolinarevista
Revista online independente para garotas adolescentes, incentiva o empoderamento feminino desde cedo. “A intenção é representar todas as jovens, especialmente as que se sentem excluídas pelos moldes tradicionais”, informa a página, que fala sobre gênero, games, moda e culinária. A pernambucana Maria Clara Araújo, estudante de pedagogia na UFPE, é uma das colaboradoras.
Moça, você é machista
90 mil curtidas
facebook.com/MocaVoceEMachista
“Criada por teóricos feministas”, segundo a descrição da página, dedica-se a desconstruir o machismo detectado em homens e mulheres. Compartilha postagens de blogs e perfis pessoais de artistas engajados no tema. Atua também no Twitter, com cerca de seis mil seguidores.
Feminismo sem demagogia – original
610 mil curtidas
facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-Original
Dedicada à vertente marxista do feminismo, que investiga as “formas como mulheres são oprimidas”, entre outros sistemas, “por meio do capitalismo”. Defendem a “luta por um feminismo de gênero, raça e classe.”
>> ENTREVISTA: Carol Rossetti, ilustradora <<
Como tem sido o feedback desde que o projeto começou?
O resultado é ótimo. Tenho um retorno muito direto. As pessoas conversam comigo, me enviam emails, mensagens. Fazem comentários, sugestões. Dizem que alguns quadrinhos fizeram a diferença na vida delas, nas atitudes. Começaram a pensar como não pensavam antes, a refletir mais.
E na sua vida, qual foi a diferença provocada pelo Mulheres?
Aprendi muita, muita coisa. No começo, o meu projeto era sobre coisas e cenas que eu observava. Depois, especialmente com as traduções para outros idiomas, o universo se expandiu. Foi além. Vi muito mais do que eu veria apenas em Belo Horizonte. Em outubro, o livro chega aos Estados Unidos, onde minha agente literária me representa. Talvez eu viaje até lá, na ocasião. E será lançado também na Espanha e no Méximo. E, possivelmente, em Portugal. Cresci muito nesse processo, vendo os desenhos ganharem o mundo.
O projeto foi mesmo encerrado?
Sim. Não estou mais fazendo ilustrações, o projeto Mulheres foi concluído. Tenho usado as minhas páginas para publicar alguns testes, algumas aquarelas, no instagram e no facebook. Serão quadrinhos, algo mais voltado para o público infantil. Mas todos vão poder aproveitar.
Além da página virtual e, agora, do livro, como funciona a sua rotina de ilustradora?
Eu tenho uma empresa de design, fundada com amigos após a conclusão da faculdade. Se chama Café com Chocolate Design. Continuo com meu trabalho em paralelo, mas quis tocar projetos diferentes, me desafiar. Administro essas funções simultaneamente.
E qual a grande mensagem que quis passar?
Quis, desde o princípio, passar a ideia de que as mulheres são livres, que elas podem ser e fazer o que quiserem.
FONTE: DIÁRIO DE PERNAMBUCO