(Fonte Segura| 12/05/2021 | Por Wânia Pasinato)
A recém-sancionada Lei 17.260/20 cria o programa Patrulha Maria da Penha na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Com alguns anos de atraso em relação a outros estados, a medida vem somar a outras existentes em São Paulo e tem o objetivo de monitorar as mulheres que obtiveram medidas protetivas de urgência (MPUs). Como ocorre na aprovação de leis que visam fortalecer o direito das mulheres a viverem sem violência, essa também deve ser celebrada. Contudo, não podemos perder de vista o caminho que se abre adiante para que o direito conquistado se concretize.
Proteger a integridade física, psicológica e patrimonial das mulheres em situação de violência doméstica e familiar é um dos eixos estruturantes da Lei Maria da Penha e desde os primeiros anos de sua implementação as MPUs tiveram o reconhecimento de seu potencial inovador. No passar dos anos, várias estratégias foram criadas para acelerar os processos de solicitação e apreciação dos pedidos na justiça. Posteriormente, vieram as iniciativas para monitorar seu cumprimento.
A criação de patrulhas especializadas faz parte dos esforços para dar efetividade para as MPUs. Muitas iniciativas se anunciam como pioneiras e inovadoras e são, de fato, em alguns aspectos. Mas nenhuma iniciativa é suficiente para proteger as mulheres se for considerada de forma isolada. Tampouco deve ser festejada como a panaceia que resolverá toda a complexidade da violência doméstica e familiar. Se as patrulhas representam avanços, não podemos ignorar que ainda estamos muito distantes de oferecer respostas mais efetivas para as mulheres que vivem situações de violência doméstica e familiar. A seguir alguns pontos que gostaria de deixar para reflexão.
Para fazer jus ao pioneirismo, lembro que o primeiro projeto de patrulhamento especializado começou a ser gestado em 2009 na Polícia Militar de Minas Gerais, dando origem, em 2010, ao Serviço de Prevenção de Violência Doméstica. Por ser o primeiro, esse projeto enfrentou muitos desafios e resistências até que pudesse se consolidar, expandir e obter reconhecimento dos demais serviços e das mulheres que atendem. Conhecê-lo melhor, bem como avaliar outras experiências que foram criadas a partir de 2011, ajudaria a aprimorar o que existe e dar mais qualidade aos atendimentos.
Sobre a inovação, a criação dessas unidades marcou o envolvimento na aplicação da Lei Maria da Penha de instituições que antes sequer consideravam a gravidade da violência doméstica, para priorizar as chamadas por atendimento. Sua inclusão na rede de atendimento também inova na atuação preventiva como um novo elo de atendimento e proteção para as mulheres.
Apesar dessa importante contribuição, a Lei Maria da Penha não se resume à aplicação de medidas protetivas, muito menos se considerarmos que apenas algumas medidas estão sendo priorizadas – como as medidas de afastamento e proibição de contato, deixando de lado aquelas que deveriam garantir a proteção patrimonial e direitos relacionados aos filhos.
Nesse sentido, o modelo de especialização que tem sido adotado pelas patrulhas termina por concentrar em determinados segmentos a responsabilidade pelo atendimento às mulheres em situação de violência, quando o esperado seria que a resposta ocorresse de forma transversal em todas as ações institucionais. Exemplos de transversalização nas polícias militares e guardas municipais são a capacitação integrada à formação de todos os policiais, a implementação de protocolos com perspectiva de gênero na forma prevista nas Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar as Mortes Violentas de Mulheres (ONU Mulheres e SPM, 2016) e o registro diferenciado dos crimes praticados contra as mulheres para a produção de estatísticas.
Por mais novas e interessantes que as experiências sejam, o caráter inovador não pode se limitar a ser um rótulo, pois estas devem ser guiadas por princípios éticos do maior benefício e mitigação de riscos para as mulheres e de justiça social, observando a diversidade de mulheres e os obstáculos que enfrentam no acesso.
Para que as iniciativas de enfrentamento à violência contra as mulheres sejam bem-sucedidas, sejam elas um programa, serviço ou política, sejam elas aplicadas em tempos de normalidade ou na excepcionalidade provocada pela pandemia de Covid-19, é preciso que haja compromisso das instituições e governos. São parte desse compromisso: a formulação de diretrizes nacionais que garantam uniformidade na sua criação, implementação e articulação com as redes de atendimento, a elaboração de protocolos que incorporem a perspectiva de gênero e de direitos humanos, além da formalização de acordos e parcerias institucionais entre governos federal, estaduais e municipais para que as ações sejam implementadas de forma capilarizada, chegando até as mulheres que necessitam de proteção. Por fim, essas medidas só serão possíveis se forem assegurados recursos orçamentários compatíveis com a responsabilidade de garantir o direito das mulheres a atendimento digno.
Wânia Pasinato
Socióloga e pesquisadora, é consultora da ONU Mulheres sobre políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. – Agradeço a Marisa Sanematsu pela leitura e contribuições ao texto.
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Fonte:Agência Patrícia Galvão