Seja com conquistas brasileiras ou de atletas do mundo, um dos destaques desta Olimpíada têm sido os momentos de consagração feminina, tanto pelos resultados nas provas como pela atitude depois delas.
As imagens marcando desempenhos extraordinários, gestos e atitudes simbolizando quebra de tabus ou levantando questionamentos e discussões sobre igualdade e inclusão estão tendo impacto internacional.
Entre as várias protagonistas desse avanço feminino nos Jogos estão atletas brasileiras, que segundo o jornal britânico The Guardian, estariam “questionando estereótipos de gênero para o país-sede, à medida que o esporte desafia mentalidades machistas tradicionais”.
Abaixo, listamos oito momentos até agora em que o mérito das mulheres roubou a cena na Rio 2016:
1. O ouro de Rafaela Silva
A história da judoca negra, homossexual, vítima de racismo e vinda da Cidade de Deus, que deu ao Brasil o primeiro ouro olímpico de 2016, é uma das que mais cativaram a imprensa e o público.
Em entrevista à BBC Brasil, Rafaela Silva disse que seu triunfo representa uma resposta pacífica às críticas e insultos racistas que sofreu pela internet após sua derrota na Olimpíada de Londres, em 2012.
“Foi bem difícil pra mim: eu tinha apenas 19 anos, estava na minha primeira Olimpíada, com vontade de realizar um sonho e fui eliminada na segunda luta. Só queria falar com meus amigos, minha família, ter um apoio, e fui recebida com críticas, preconceito. Eu nunca tinha sofrido aquilo. Me machucou bastante”, contou.
Ela pensou em desistir, mas prosseguiu com os treinos até vencer a Olimpíada em sua cidade natal.
“Acho que é muito importante (…) responder com uma medalha de ouro – acho que não tem resposta melhor do que essa (às críticas).”
Dias depois, na última quinta-feira, o Brasil ganharia, com outra mulher, sua segunda medalha no judô na Rio 2016: Mayra Aguiar levou o bronze.
2. Futebol feminino ofuscando o masculino
Tradicionalmente alvo de menos interesse e financiamento que a seleção masculina, a equipe feminina de futebol virou xodó nesta Olimpíada tanto por sua performance dentro de campo quanto pelo desempenho pouco empolgante da equipe de Neymar e cia nas primeiras partidas.
Marta, Formiga e as demais jogadoras marcaram pontos com uma postura de humildade que contrastou com a “greve de silêncio” que marcou a equipe masculina depois de empatar sem gols nas duas disputas iniciais.
Há também a diferença de narrativas: enquanto jogadores masculinos consagrados recebem salários com os quais a maioria dos brasileiros pode apenas sonhar, no futebol feminino os recursos são bem mais escassos.
Um torcedor mirim ganhou fama nas redes sociais ao riscar o nome de Neymar de sua camiseta da seleção e escrever o da craque feminina no lugar.
E elas também não estão devendo no quesito emoção: na sexta, venceram dramaticamente a Austrália nos pênaltis e se classificaram para as quartas de final.
3. O pedido de casamento
“O amor venceu” foi a forma como a imprensa internacional tratou o pedido de casamento público feito pela voluntária Marjorie Enya à jogadora da seleção brasileira de rúgbi Isadora Cerullo após a entrega das medalhas da modalidade.
“As pessoas do rúgbi são espetaculares e sabia que aceitariam fazer parte do momento”, disse Enya depois de ouvir o “sim” da companheira de dois anos.
A cena, como esperado, teve forte repercussão nas redes sociais, e a foto do beijo entre Cerullo e Enya foi compartilhada milhares de vezes em diversos idiomas.
4. As vitoriosas nas piscinas
Michael Phelps está abocanhando medalha atrás de medalha, mas seu desempenho não ofuscou o de outra nadadora americana: Katie Ledecky, que, aos 19 anos, já abocanhou o ouro nos 200 m livre, 400 m livre, 800 m livre e no revezamento 4×200 m livre, além da prata no revezamento 4×100 m.
Ledecky já tinha sido um fenômeno em Londres 2012, quando venceu seu primeiro ouro – nos 800 m livre – quando tinha apenas 15 anos. Nesta Olimpíada, foi ainda além, obtendo tempos bem melhores que os de suas rivais.
Outra indomável nas piscinas cariocas foi a húngara Katinka Hosszu, dona de três ouros (400 m medley, 100 m costas e 200 m medley) e uma prata (4×200 m livre) no Rio até agora.
Mas o feito da “dama de ferro” que mais chamou a atenção foi o fato de ela ter quebrado o recorde mundial dos 400 m medley por quase dois segundos.
Um comentarista da rede americana NBC afirmou que o técnico e marido de Hosszu, Shane Tusup, era o “homem responsável” pela performance dourada da nadadora. A fala foi duramente criticada por sexismo.
“Homem ganha ouros na Rio 2016 sem sequer encostar na água”, ironizou um usuário no Twitter. “Hosszu está a dois corpos de vantagem das competidoras graças ao seu marido”, brincou outro.
Por fim, a americana Simone Manuel tornou-se, na quinta-feira, na prova dos 100 m livre, a primeira negra a vencer um ouro olímpico individual na natação feminina.
Ela disse esperar que sua vitória estimule mais diversidade no esporte, ainda dominado por atletas brancos. “Esta medalha não é só para mim, é para alguns dos afro-americanos que vieram antes de mim e me inspiraram”, afirmou.
5. O desabafo de Joanna Maranhão
A nadadora Joanna Maranhão foi a última colocada na série eliminatória dos 200 m borboleta, mas destacou-se por suas declarações fora das piscinas.
Ela contou chorando, após a eliminação, que sofreu insultos nas redes sociais.
“Me deparei com uma enxurrada de agressões no Facebook. Pessoas comemorando que eu não fui à final, alguns diziam que eu merecia ser estuprada, outros dizendo que a história da minha infância foi uma grande mentira (Joanna contou ter sido vítima de abuso sexual quando criança)”, disse ela em entrevista à TV.
“O Brasil é um país muito machista, muito racista, muito homofóbico. É duro para caramba se deparar com isso. Sinto que meu papel não é apenas de atleta. Não quero que a (atriz) Taís Araújo seja chamada de macaca, que a Rafaela Silva seja chamada de decepção e só quatro anos depois as pessoas se deem conta do valor dela. Isso não é justo.”
Maranhão prestou queixa à Justiça e disse que, caso ganhe a ação judicial contra os agressores virtuais, doará o dinheiro ao combate à pedofilia.
Em outro post, admitiu ter escrito no passado “tuites discriminatórios contra LGBTs, misóginos, contra pessoas gordas, contra trabalhadoras sexuais. Mas as pessoas podem mudar se buscarem conhecimento! E, felizmente, hoje eu mudei minha forma de pensar. (…) Não vou apagar (os posts), porque eles são um registro do que eu fui no passado e uma lembrança para que eu nunca esqueça que temos preconceitos dentro de nós”.
6. As “líderes” da delegação brasileira na cerimônia de abertura
Ovacionada pelo público ao entrar no Maracanã na cerimônia de abertura da Olimpíada, a delegação brasileira foi encabeçada por uma atleta mulher – Yane Marques, medalhista no pentatlo moderno – e por uma modelo transexual, Lea T.
“Neste momento em que o Rio de Janeiro e o Brasil serão apresentados ao mundo, é imprescindível que a diversidade esteja presente”, disse Lea em entrevista à BBC Brasil antes dos Jogos.
“O Brasil é muito vasto, e toda essa diversidade precisa, de alguma forma, ser representada em um evento como esse. Foi justamente isso que me motivou a aceitar o convite para participar da cerimônia de abertura.”
7. As egípcias de hijab no vôlei
Uma das imagens mais famosas dos Jogos do Rio até agora é a da dupla de vôlei de praia feminina egípcia Doaa Elghobashy e Nada Meawad disputando uma partida com as alemãs Kira Walkenhorst e Laura Ludwig.
A imagem correu o mundo por contrastar o vestuário entre as duas duplas: enquanto as alemãs vestiam os tradicionais biquínis, as egípcias tinham o corpo coberto e Elghobashy usava o hijab (véu), seguindo a tradição conservadora islâmica.
Mas Elghobashy e Meawad fizeram história por outro motivo: são a primeira dupla egípcia a competir no vôlei de praia em uma Olimpíada.
“Uso o hijab há dez anos. Ele não me impede de fazer as coisas que eu amo, e o vôlei de praia é uma delas”, afirmou Elghobashy à Associated Press.
8. A “intocável” da ginástica
Poucos atletas têm chamado tanto a atenção na Rio 2016 quanto a ginasta americana Simone Biles, considerada intocável em suas pontuações, muito acima da das rivais.
Biles, de 19 anos, já ganhou duas medalhas de ouro e pode chegar a cinco, um feito que seria histórico. Sua excepcionalidade vem das alturas que é capaz de alcançar nos saltos, de sua consistência, velocidade e força – suas rotinas de solo costumam incluir mais elementos de dificuldade do que as demais.
“Ela certamente faz (as provas) mais difíceis que já vimos”, diz a técnica de ginástica Christine Still, comentarista da BBC. “Em termos de performance e de habilidade de repetir (as rotinas), ela é a melhor que eu já assisti.”
Tanto que a atleta já tem um movimento batizado de “The Biles” no solo, considerada a rotina mais difícil já feita: uma dupla cambalhota de costas com o corpo totalmente estendido, seguido de um meio twist e uma aterrissagem cega (sem ver o chão). No ponto alto do movimento, ela salta quase o dobro de sua altura.
Brinca-se que suas pernas foram feitas pela Nasa.
Fonte: BBC