Mas, por que ler mulheres?
Veja indicações:
A origem do mundo: uma história cultural da vagina ou a vulva x o patriarcado
A primeira dica é da ganhadora do prêmio Jabuti 2016 (para quem não sabe, é considerado o Oscar da literatura nacional): Natalia Borges Polesso. Ela é autora do livro de contos Amora (Isto não é uma editora), que aborda a sexualidade lésbica em curtas narrativas. Uma de suas histórias, ‘Vó, a senhora é lésbica?’, foi parar em uma prova do Enem e causou grande polêmica em setores conservadores da sociedade. Segue a obra eleita por ela:
“No ano passado, caiu nas minhas mãos o livro da Liv Strömquist, uma quadrinista suéca. O título é bem sugestivo ‘A origem do mundo’ (Quadrinhos Na Cia) e faz referência ao famigerado quadro de Gustave Courbet. O subtítulo nos dá uma ideia maior do livro ‘uma história cultural da vagina ou a vulva vs. o patriarcado’ E é isso mesmo. O livro, através de uma narradora muito debochada, vai contando os episódios mais escabrosos que, historicamente, homens e mulheres tomaram por aceitável e até legítimos. No fim das contas, é uma história da mulher. O livro traz muitas informações sobre a anatomia e a fisiologia da mulher em alguns episódios marcantes da ciência, da tecnologia, da psicanálise, da filosofia, da política, da medicina, entre outras áreas do conhecimento. A leitura me marcou muito, porque é fantástico o modo como, de uma maneira simples, a autora sacode algumas ideias estabelecidas sobre quem somos e como temos sido tratadas. Além de deixar claro que falar da vagina, tema central do livro, ainda é um tabu, ainda parece trazer desconforto para muita gente! Que coisa mais louca, né?”, as ilustrações do livro são maravilhosas e a obra aborda muitos temas curiosos, como o padrão de beleza que existe para as vaginas.
Um defeito de cor
A instrumentista, cantora, compositora e autora Leticia Novaes, que atende pela alcunha de Letrux, escolheu uma obra de autoria brasileira.
“Estou nas últimas páginas do livro ‘Um defeito de cor’ (Grupo editorial Record), da Ana Maria Gonçalves, e sentindo que é das grandes obras da minha vida. Estou aprendendo muito, mil vezes mais do que aula de história do colégio, e me emocionando a cada página dessa saga maravilhosa. Recomendo com força esse dois livros”. É narrado pela personagem Kehinda, inspirada em Luísa Mahin. No livro, ela é uma africana trazida pelo Brasil escravizada e reconstrói as relações de africanos, portugueses e brasileiros na escravidão, sempre pela ótica dos negros.
Bem-vindos ao paraíso
A mestre em literatura em língua inglesa com foco em temática queer e caribenha, Natalia Affonso lê muitas narrativas pouco conhecidas do grande público — como era de se esperar para alguém com essa titularidade. Ela recomenda um livro de uma autora jamaicana, em que vê paralelos com a experiência brasileira.
“Minha dica é o livro ‘Bem-vindos ao paraíso’ (Editora Morro Branco). Ele é de 2016, da jamaicana Nicole Dennis-Benn e me marcou muito porque tanto o contexto histórico quanto os personagens são tratados de uma maneira bem complexa, com uma profundidade muito interessante. A protagonista é uma mulher negra e lésbica, envolvida com prostituição, de uma família pobre. A trama se passa na Jamaica e a nossa visão de lá é idealizada, paradisíaca, pensamos em resorts, Bob Marley, felicidade. E, lendo, a gente entende a realidade da indústria do turismo, o que isso faz com o povo local há gerações, o legado da colonização. Vi uma semelhança muito grande com o Brasil do imaginário e o país em que realmente vivemos. Gosto também porque as personagens são não convencionais e, mesmo as que parecem convencionais, têm desdobramentos bem diferentes. É um livro que evoca muitas emoções e é muito instigante. Quebra e desestabiliza esteriótipos.” Nicole Dennis-Benn hoje vive e trabalha em Nova York e esse foi seu romance de estreia e foi considerado o livro do ano pelo jornal New York Times.
O holocausto brasileiro
A ativista feminista e anti-racista Isabela Reis é daquelas leitoras que estão sempre lendo várias obras ao mesmo tempo. Ela tem predileção por não-ficção e biografias. Em seu instagram, @belareis, sempre comenta o que está lendo e tem muitas indicações de livros. Ela escolheu um título brasileiro super aclamado, lançado em 2013.
“Minha indicação vai ser ‘O holocausto brasileiro’ (Geração Editorial), da jornalista Daniela Arbex. É um livro sobre o Hospital Colônia de Barbacena, instituição psiquiátrica pública, que ficou quase 80 anos em funcionamento em Minas Gerais, até 1980, e onde 60 mil pessoas foram assassinadas. A instituição, inclusive, lucrava com a venda desses corpos. No livro, a Daniela reconstrói a história do hospital e as torturas completamente degradantes que aconteceram lá. É muito bem escrito e tem esse nome justamente porque foi uma matança que ocorreu de forma autorizada. Fala muito do Brasil, de como o país trata sua população e aborda a luta anti-manicomial, que até hoje é uma pauta super importante”, conta ela. A autora Daniela Arbex é militante dos direitos humanos e sua obra ganhou vários prêmios, vendeu mais de 300 mil cópias aqui e em Portugal e foi adaptada pela TV pelo HBO, em uma série exibida em mais de 40 países.
O caminho de casa
Leitora voraz, a fotógrafa Julia Aldenucci há algum tempo decidiu buscar narrativas fora do eixo comercial tradicional Europa-Estados Unidos. Dessa busca, se surpreendeu especialmente com as narrativas de mulheres africanas, de onde vem a sua indicação.
“Vou recomendar o ‘O caminho de casa’ (Rocco), da escritora ganense Yaa Gaysi. A obra é muito impactante e conta a história de duas irmãs que foram escravizadas e como a escravidão se desdobra para as outras gerações dessa família, mesmo muito tempo depois da abolição da escravatura. Apesar de ter sido uma escravidão muito diferente da brasileira, dialoga com a nossa própria história também”, conta. Esse é o livro de estreia de Yaa Gaysi e foi lançado em 2016, arrebatando vários prêmios literários americanos. Apesar de ganense, Yaa foi criada nos EUA e seu livro chegou à lista de mais vendidos do New York Times.
Fonte: UOL