A contadora Fabíola Rocha, 37, tenta engravidar há seis anos. Tem endometriose, doença que afeta o endométrio (camada que reveste o útero) e é uma das principais causas de infertilidade.
Ela fez tratamentos e engravidou duas vezes por fertilização in vitro, mas as gestações não foram em frente.
O dinheiro acabou. O desejo de ser mãe, não. “É uma dor permanente, um desamparo. A gente tem plano de saúde, mas não pode recorrer a ele. Todas as nossas economias já se foram.”
O drama de Fabíola, compartilhado por muitos casais brasileiros, chegou agora ao Ministério Público Federal. Representação encabeçada por dez mulheres que enfrentam a infertilidade pede que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) inclua no rol de procedimentos obrigatórios os tratamentos de reprodução assistida.
A infertilidade é considerada doença pela CID (Classificação Internacional das Doenças), e há lei federal obrigando a cobertura do planejamento familiar (que inclui concepção e anticoncepção).
Mas a legislação que rege os planos de saúde desobriga as operadoras de oferecer a reprodução assistida.
“Isso é claramente ilegal. Esperamos que o Judiciário reconheça isso”, diz a advogada Andrea Lazzarini Salazar, que assina a representação. “A infertilidade gera consequências que extrapolam a questão física. Leva a sentimentos de fracasso, de exclusão familiar e social.”
Segundo Andrea, a expectativa é que, por decisão judicial, a ANS inclua o tratamento no novo rol de procedimentos que entrará em vigor em janeiro de 2016 e que está atualmente em processo de consulta pública. Entidades médicas e de defesa do consumidor apoiam a causa.
Na Justiça, o tema tem dividido os magistrados, com decisões favoráveis tanto a pacientes como aos planos.
Nas clínicas privadas, onde o tratamento é oferecido desde 1982, cada ciclo de fertilização in vitro custa de R$ 9.000 a R$ 25 mil. No SUS, o procedimento está previsto desde 2005, mas poucos serviços públicos o disponibilizam. Quase não há vagas, e a espera passa de cinco anos.
A maioria dos países europeus subsidia parcial ou integralmente a reprodução assistida. A França, por exemplo, paga 100%. Na América Latina, Argentina e Uruguai tornaram o procedimento obrigatório na rede pública e no sistema privado de saúde.
“Não faz nenhum sentido essa exclusão”, diz o ginecologista Newton Busso, que preside a comissão de reprodução da Febrasgo (federação das associações de ginecologia e obstetrícia). Segundo ele, o direito de planejar a família deve ser de todos.
OUTRO LADO
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) afirmou que atua de acordo com as determinações da lei que regulamenta o setor de saúde suplementar no Brasil.
“Ela [a lei] exclui o tema inseminação artificial da cobertura dos planos de saúde, por isso não consta do rol [de procedimentos obrigatórios].”
Para a ANS, a lei 11.935, de 2009, que incluiu o planejamento familiar como cobertura obrigatória na lei dos planos de saúde, não altera a legislação anterior (ela não especificou que tipo de serviços seriam incluídos).
Há diversos outros procedimentos, além da fertilização in vitro, segundo a ANS, que possibilitam diagnosticar e tratar a infertilidade e já estão no rol de procedimentos de cobertura obrigatória.
Entre eles estão exames hormonais, ultrassom, histeroscopia, laparoscopia, cirurgias e exames de esperma.
A agência cita como exemplo o tratamento da varicocele, doença que é responsável por 40% dos casos de infertilidade em homens. “O tratamento causa melhora do sêmen em até 60% dos pacientes, em média, e gravidez em até 40% dos casais”, afirma.
Na condição de anonimato, três representantes de operadoras de saúde dizem que a oferta da fertilização pelos planos geraria aumento de custos não só pelo tratamento em si, mas porque o procedimento aumenta as chances de gêmeos e nascimento de bebês prematuros -que vão precisar de mais tempo de UTI neonatal.
A Abramge e a Fenasaúde, entidades que representam as operadoras de planos de saúde, reforçaram que a reprodução assistida não faz parte das coberturas obrigatórias que estão previstas no rol de procedimentos da ANS. Por isso, dizem, ela não é oferecida aos usuários.
“É importante destacar que os serviços de reprodução assistida não são 100% eficazes”, afirma a Abrange.
A associação defende que seja feito um estudo antes de iniciar um debate sobre obrigar os planos de saúde a cobrirem a reprodução assistida aos beneficiários.
Para a entidade, é necessário medir a viabilidade e os impactos econômico-financeiros que a medida pode trazer para as operadoras de saúde e para os clientes que pagam os planos.
ENTENDA O QUE DIZEM
– Constituição Federal
Planejamento familiar é um direito do cidadão. Compete ao Estado propiciar os recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito
– Lei do Planejamento Familiar (9.263/96)
Para o exercício do planejamento familiar, serão oferecidos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas
– Lei dos Planos de Saúde (9.656/98)
Garante a cobertura de todas as patologias reconhecidas pela CID (Classificação Internacional de Doenças), mas exclui a inseminação artificial
– Lei 11.935/09
Estabelece que é obrigatória a cobertura nos casos de planejamento familiar (para advogados e juízes, fica implícita a cobertura dos tratamentos de fertilidade)
– Resolução normativa da ANS (RN 211) de 2010 *
Permite que planos excluam a cobertura de todas as técnicas de inseminação artificial
– Código de Defesa do Consumidor
Estabelece que são nulas as cláusulas contratuais que excluam a cobertura de doença
– Entendimento da Justiça
Tem sido favorável à cobertura do tratamento de fertilidade pelos planos de saúde
*A RN 338, de 2013, que atualmente está em vigor, mantém a exclusão
Fonte/foto: Folha de S. Paulo