Estabelecimentos pensados para o público feminino ganham popularidade como alternativa para o público feminino
No Galpão Rosa, na Zona Sul de São Paulo, até a decoração é pensada para deixar as mulheres confortáveis. Se a fachada rosa, os tapetes felpudos e as flores decorando os ambientes não são suficientes para indicar quem manda, o local conta ainda com salão de beleza, lojas de roupas e maquiagem, além de cafeteria, deixando bem claro que se trata de um “clube da Luluzinha” automotivo.
A empresária Andréia Justos, de 29 anos, dona do espaço, afirma que a ideia surgiu ao se dar conta do pequeno número de mulheres que atendia quando atuava como mecânica em oficinas tradicionais.
— Elas sempre pediam para alguém levar o carro no reparo: o marido, um amigo ou parente — lembra. — Quis criar um local seguro para as motoristas, onde elas entendessem de verdade o serviço que estão contratando.
Em Brasília, a primeira oficina dedicada às mulheres completa 15 anos em 2025. Agda Óliver, de 44 anos, dona da Meu Mecânico — A oficina da mulher, lembra que o motivo para investir no espaço foi uma série de experiências ruins por que passou ao levar seus automóveis para o conserto.
— Era sempre muito mal atendida. Achava as oficinas lugares desagradáveis, onde era alvo de piadinhas e golpes. Cheguei a pagar por peças que nem existiam nos meus carros, como quando me cobraram um filtro de ar-condicionado de um veículo que não tinha o sistema — relembra.
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Meu Mecânico, aberto há 15 anos por Agda Óliver: “sempre era mal atendida” — Foto: Brenno Carvalho
A advogada Ligia Fabris, pesquisadora da Universidade de Viena em política e gênero, avalia que esses empreendimentos têm feito sucesso por uma maior ocupação de espaços pelas mulheres. O Brasil tem 24,2 milhões de motoristas do sexo feminino, ou 36% do total de carteiras de habilitação válidas no país, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Elas estão em maior número em São Paulo (7,6 milhões); Minas Gerais (2,5 milhões); Paraná (1,9 milhão); Rio Grande do Sul (1,7 milhão); Santa Catarina (1,5 milhão) e o Rio de Janeiro (1,4 milhão).
— Como na dinâmica hierárquica de gênero antiga as mulheres eram deixadas de foram dessa área de conhecimento, agora se tornam alvos propícios para golpes. Encontrar outra mulher no mercado responde à demanda por uma relação igualitária e de confiança — explica.
Há homens, no entanto, como o empresário Pedro Barbosa, de 43 anos, que querem conquistar a confiança das motoristas. Ele abriu a oficina Salto Alto, em Belo Horizonte com um slogan sugestivo: “Para você que não aguenta mais ser passada pra trás em oficinas”.
— Falta nas tradicionais uma boa vontade e mais clareza na hora de explicar os serviços. Faço questão de fazer tudo com muita transparência — garante Barbosa, que diz atender a uma média de 120 mulheres por mês.
Para a fonoaudióloga Camila Contarini, de 38 anos, cliente da Salto Alto, o atrativo do espaço é poder resolver os problemas sem pedir ajuda a terceiros.
— Por insegurança, nunca ia sozinha na oficina. Procurei o serviço para recuperar minha independência — explica.
O machismo é o principal defeito que as mulheres que abrem espaço no mundo dos automóveis, ainda predominantemente masculino, têm de consertar. A mecânica Giovana Carolina Toso, de 30 anos, se encantou com a profissão pelos programas de TV que via quando era criança. Na adolescência, quando transformou o hobby em profissão, foi o apoio da família que a impediu de desistir quando enfrentou os primeiros obstáculos.
— No início, achava que a falta de força física poderia ser um problema. Com o tempo, percebi que o jeito de lidar com peças e equipamentos é muito mais importante para um bom trabalho. O maior desafio são os comentários preconceituosos e assediadores — relata.
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Giovana se apaixonou pela mecânica na infância — Foto: Acervo pessoal
‘Preconceito e piada’
A influenciadora automotiva e colecionadora de carros antigos Natacha Nikonovas, de 30 anos, diz que constantemente precisa provar seus conhecimentos para impor respeito.
— Sofro muito preconceito, tem muita piada e gente que acha que não sei o que estou fazendo. Tem até quem pense que não sei dirigir ou que peguei o carro emprestado — conta ela, que tem em sua coleção um raro Oldsmobile Cutlass, de 1968.
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Natacha com seu Oldsmobile — Foto: Acervo pessoal
Fundadora da Escola do Mecânico, Sandra Nalli conta que, depois que abriu a escola, em 2011, demorou quatro anos para uma mulher se interessar pela capacitação.
— Hoje, das 14 mil matrículas em todo o Brasil, 10% são de mulheres — conta.
O mesmo se repete nos 50 cursos voltados para o mercado automotivo do Senai, que atualmente tem 12% de mulheres. O superintendente de Educação Profissional, Felipe Morgado, avalia que o índice ainda precisa melhorar:
— A maior equidade de gênero é uma de nossas preocupações. Muitas mulheres nem avaliam a possibilidade de fazer carreira em determinadas áreas, como a automotiva. Tentamos mostrar, quando divulgamos nosso cursos, exemplos de alunas que formamos e hoje são referências no setor.
Fonte: O Globo