A inseminação caseira, que é feita sem nenhum controle médico, é uma prática crescente no Brasil. Todos os dias dezenas de anúncios feitos por mulheres são postados em grupos que chegam a ter mais de 30 mil pessoas no Facebook ou em outras redes sociais procurando por doadores de sêmen. O desejo maior vem de casais homoafetivos formados por mulheres que, muitas vezes, não têm condições financeiras para pagar um tratamento de reprodução assistida.
O procedimento realizado sem e orientações de saúde não tem amparo na lei e não é recomendado pelo Conselho Federal de Medicina devido aos riscos oferecidos à mãe e ao bebê. No entanto, essa medida voltou a ser pauta na Justiça em maio, depois que o Instituto Brasileiro do Direito da Família (IBDFAM) protocolou um requerimento no Conselho Nacional de Justiça para afastar a exigência de declaração de um diretor de uma clínica em casos de inseminação caseira quando os pais forem registrar seus filhos.
A instituição quer revogar o artigo 17 afastando, portanto, essa exigência para casais que desejam realizar a prática sem protocolos de uma clínica. Atualmente, quando um casal realiza a técnica caseira, somente quem deu a luz à criança poderá ter seu nome registrado em um documento como mãe, por exemplo.
“Além de ser um exercício limitador da cidadania pelo registro, é um meio que dificulta e burocratiza a pretensão dos requerentes de buscar registro civil e obrigando os mesmos a irem ao poder judiciário”, diz Ronner Botelho, advogado e assessor jurídico do IBDFAM.
O especialista ainda destaca que o atual artigo funciona como algo discriminatório. “São muitos entraves que limitam. Por que eu não posso buscar o nome de dois pais ou de duas mães. Além disso, [a reprodução assistida] é um valor muito caro para ser um investido”, diz.
Ricardo Calderon, advogado e diretor nacional do IBDFAM afirma que em casos de reprodução assistida ainda há uma ausência de lei que regule todo o tema. Porém, as inseminações caseiras já são uma realidade no país e merecem atenção, pois a prática vem crescendo ainda mais no Brasil principalmente pela crise econômica.
“Muitas pessoas não têm acesso à reprodução assistida convencional devido aos altos custos. Algumas conseguem dessa maneira amadora e, a partir daí, há uma ausência de regulação de lei nessa regulamentação caseira. Quando você faz uma reprodução assistida formal você tem algumas regras que de certo modo regulam alguns pontos”, diz.
Riscos à saúde à mulher
Embora a realidade econômica seja o principal ponto favorável à inseminação caseira, a prática ainda oferece diversos riscos. Quem se submete à técnica caseira pode se expor a doenças graves quando o procedimento é realizado longe de um ambiente hospitalar e sem os protocolos de saúde. “Não se sabe se o sêmen do doador é normal ou não. Pode ser que não tenha nem espermatozoide. A pessoa se expõe sem nenhuma segurança”, diz Viviane Niehues, ginecologista especialista em Reprodução Humana e diretora da Androlab clínica da Fertilidade, em Curitiba.
A médica explica que os problemas mais comuns são doenças infecciosas. “Há riscos de enfermidades como HIV, hepatite B e C por meio do sêmen. Também há riscos de transmitir bactérias como sífilis, clamídia e outras. E essas bactérias podem passar pelas trompas e causar infecções graves, dificultando a gravidez natural ou por outro meio”, diz.
Quando realizado em um espaço próprio para isso, o casal ou a mulher que terá uma produção independente passarão por exames que identificam problemas de saúde. O sêmen que fica no banco de esperma também passa uma checagem extrema.
A reprodução assistida feita por um profissional permite um acompanhamento minucioso da ovulação, pode ainda promover a indução dos óvulos, o que não ocorre na caseira. Dessa forma, um procedimento sem acompanhamento médico eleva os riscos de contaminação e pode fazer com que a fecundação não ocorra de forma correta. Em alguns casos, há contaminação por agulha e outros materiais.
Problemas jurídicos
Do ponto de vista jurídico, o homem que “doa” o sêmen para uma mulher realizar uma gestação pode requerer a paternidade no futuro. “Não é como a reprodução assistida convencional, na qual o Conselho Federal de Medicina estabelece o anonimato de quem doou o sêmen. A regra é que não exista nenhum vínculo”, afirma Regina Beatriz, advogada e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).
Há ainda um impasse envolvendo o registro da criança gerada pelo casal mediante às técnicas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) exige uma declaração da clínica que realizou a reprodução assistida para confirmar que aquelas duas pessoas são efetivamente pais ou mães do bebê. O órgão só autoriza o registro de uma criança fruto de uma reprodução artificial quando é medicamente assistida.
Também há o agravante em relação às informações genéticas do doador, já que em um ambiente médico há uma preocupação maior com dados específicos. “O incesto não é aceito pelo direito brasileiro. O CFM faz com que as clínicas tentem evitar que um doador de sêmen não gere mais que dois nascimentos de pessoas de sexos diferentes em uma área de um milhão de habitantes”, afirma.
Feita de forma caseira, a prática invalida qualquer forma de segurança durante o procedimento. “O IBDFAM alega que o planejamento familiar é livre e deveria vigorar. Mas essa autonomia do planejamento familiar está interligada a mães e pais e precisa de responsabilidade. Uma criança poderá não ter como tratar da saúde ou até ainda pode praticar um incesto involuntário. Vai incentivar altamente um método de risco”, diz a advogada da ADFAS.
Fonte: Universa Uol