A inclusão de metas relacionadas ao combate à discriminação e desigualdade de gênero nos Planos tem provocado debates em cidades e estados de todo o país. “O que se pretende com a inclusão do tema da igualdade de gênero nos Planos de Educação é diminuir as desigualdades entre os gêneros, o machismo e a inferiorização das meninas e mulheres”, destaca o integrante do Fórum Nacional de Educação (FNE) e doutor em educação, Toni Reis.
De acordo com Toni, que também é secretário de educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), além da atuação de religiosos fundamentalistas e setores ultraconservadores, “a investida de última hora por parte de determinados bispos católicos contribuiu para que se excluísse o termo gênero de alguns Planos Municipais e Estaduais de Educação, chegando inclusive ao extremo absurdo de excluir ‘gênero alimentício’ e ‘gênero literário’, entre outros”.
Há cerca de um mês, todos os estados e municípios do Brasil deveriam ter aprovado de maneira participativa seus Planos de Educação, com metas e estratégias para a área nos próximos dez anos. Até esta segunda-feira (27/07), 4937 municípios (88,6%) e 14 estados (51,8) haviam sancionado seus Planos.
Segundo Toni, a “pesquisa nacional Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar (Fipe, MEC, Inep, 2009), revelou que as atitudes discriminatórias mais elevadas se relacionam a gênero (38,2%) e orientação sexual (26,1%)”. E avaliou: “esses dados revelam violências e discriminação relacionadas ao gênero. Eis a importância de educar para o respeito à igualdade de gênero, visando modificar para melhor esses quadros na sociedade como um todo e também nos estabelecimentos educacionais”.
Leia abaixo a entrevista completa com Toni Reis:
De Olho nos Planos (De Olho) – É possível abordar as temáticas relacionadas à igualdade de gênero nas escolas e nas políticas educacionais mesmo que não tenham sido explicitadas nos Planos de Educação aprovados?
Toni Reis (Toni) – As diretrizes maiores da educação no Brasil são a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cujos princípios incluem a igualdade de condições para acesso e permanência na escola, o respeito à liberdade, o apreço à tolerância e o conhecimento e exercício da cidadania. Além disso, o Brasil é signatário e ratificou várias convenções e tratados internacionais que tratam da igualdade de gênero, como a Plataforma de Cairo, por exemplo.
Desta forma, mesmo que o Plano de Educação de determinado município ou estado seja omisso sobre a igualdade de gênero nas escolas e nas políticas educacionais, há amplo respaldo para a abordagem do tema, inclusive nos Parâmetros Curriculares Nacionais. A omissão da lei não significa ausência de direitos.
(De Olho) – E em que essa abordagem pode contribuir com a garantia do direito à educação?
(Toni) – Estatísticas oficiais mostram inquestionavelmente que o ensino atual não está preparando adequadamente para uma convivência marcada por respeito, pluralidade, não violência, dignidade humana e paz. Por exemplo, entre 2000 e 2010, 43,7 mil mulheres foram assassinadas no país e apenas no ano de 2011 houve 70.270 registros de violências contra pessoas do sexo feminino. Em 2012, houve 9.982 denúncias de violações dos direitos humanos de pessoas LGBT, bem como pelo menos 310 homicídios de LGBT no país.
A pesquisa nacional Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar (Fipe, MEC, Inep, 2009), revelou que as atitudes discriminatórias mais elevadas se relacionam a gênero (38,2%); orientação sexual (26,1%). Esses dados revelam violências e discriminação relacionadas ao gênero. Eis a importância de educar para o respeito à igualdade de gênero, visando modificar para melhorar esses quadros na sociedade como um todo e também nos estabelecimentos educacionais.
(De Olho) – A discussão em torno da igualdade de gênero na educação já foi tema de debates acirrados como o que ocorreu, em 2011, a respeito do que ficou conhecido como o “Kit contra homofobia”. Como você avalia a importância do debate dos Planos na discussão sobre a relação entre gênero e educação?
(Toni) – Vejo que da mesma forma que aconteceu com os materiais do projeto Escola Sem Homofobia, Houve uma distorção intencional por parte de setores reacionários sobre o propósito da iniciativa, mobilizando assim seus seguidores contra os temas e com base em informações inverídicas. O debate é importante, e sempre haverá divergência de opiniões, mas o debate deve se dar com base em fatos e não em mitos e deturpações.
(De Olho) – E por que esta agenda tomou tanto destaque na discussão dos Planos, sendo que o documento aborda várias outras questões também fundamentais?
(Toni) – O destaque dado à questão da igualdade de gênero é um reflexo da polêmica provocada pelas deturpações acima mencionadas. Há um movimento, inclusive internacional, que alega que a abordagem de “igualdade de gênero” nos estabelecimentos educacionais significa que se quer “perverter” as crianças, ensinando-as a ser gays ou lésbicas, e que se quer destruir a família tradicional.
Na verdade, o que se pretende com a inclusão do tema da igualdade de gênero nos Planos de Educação é diminuir as desigualdades entre os gêneros, o machismo e a inferiorização das meninas e mulheres. Por outro lado, infelizmente, ainda há quem quer manter a mulher subserviente dentro de um sistema patriarcal que coloca o homem em primeiro lugar.
(De Olho) – Setores mais conservadores têm atuado agressivamente para que os Planos de Educação não mencionem questões relacionadas à igualdade de gênero. Como você observa a ação destes grupos e a reação dos grupos que reivindicam pelo direito à educação?
(Toni) – Percebo uma triste realidade: por um lado há líderes que manipulam propositadamente seus seguidores, alimentando-os com distorções e intolerância em relação ao tema e, por outro lado, as pessoas que acreditam nessas inverdades não têm, ou não querem exercer, a visão crítica necessária para perceber que estão sendo manipuladas e recebendo informações sem fundamento.
Além da atuação de religiosos fundamentalistas e setores ultraconservadores, a investida de última hora por parte de determinados bispos católicos contribuiu para que se excluísse o termo gênero de alguns Planos Municipais e Estaduais de Educação, chegando inclusive ao extremo absurdo de excluir “gênero alimentício” e “gênero literário”, entre outros.
Infelizmente, avalio que os movimentos e organizações da sociedade civil não estavam preparados para responder à altura e foram pegos de surpresa pelo vulto da mobilização desencadeada pelas forças contrárias. Vejo como alarmante e uma ameaça à democracia essa onda reacionária e até fascista que se espalha pelo país e se instala no Legislativo.
FONTE: EBC