Dados do IBGE divulgados nesta quarta-feira mostram que 7 milhões de mulheres entre 15 e 29 anos não estudaram nem trabalharam em 2022 e apontaram como principal motivo o cuidado com parentes ou tarefas domésticas. O número representa 63,4%dos mais de 10,8 milhões de brasileiros desta faixa etária na mesma situação.
Esse trabalho de cuidado envolve afazeres domésticos e de assistência a familiares, como o preparo de refeições, limpeza e cuidado com crianças e idosos. Essas atividades, muitas vezes consideradas “invisíveis” por entrarem na contabilidade dos que não trabalham, deve virar política pública no governo Lula, com o apoio da primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja.
A igualdade de gênero foi uma das bandeiras da campanha do petista em 2022 e alvo de iniciativas neste ano, como a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres. Por outro lado, o presidente sofre críticas por manter poucas mulheres no ministério e privilegiar homens na indicação de dois ministros para o Supremo Tribunal Federal.
Um grupo formado por integrantes de 17 ministérios discute a elaboração de um plano nacional com medidas que visem a auxiliar tanto a população feminina, mais prejudicada por esse tipo de serviço não remunerado, quanto quem necessita dos cuidados, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. A previsão é que uma proposta esteja pronta para ser apresentada até maio de 2024.
Embora o formato ainda esteja indefinido, o grupo estabeleceu que as ações devem incluir a oferta de serviços (como creches e escolas integrais, por exemplo); de tempo, com políticas que reforcem direitos como a licença-maternidade; de recursos e benefícios, como políticas de transferência de renda; regulação, como regulamentação das relações e condições de trabalho das profissões de cuidado; além da transformação cultural, como campanhas de conscientização.
‘Responsabilidade compartilhada’
A primeira-dama, Janja, apoia a iniciativa. Ela afirmou ao GLOBO que a ideia do governo é “despertar a sociedade” para que haja uma “responsabilidade compartilhada” e que transformar o trabalho de cuidado em política pública pode trazer “avanços reais”:
— O trabalho do cuidado precisa ser um trabalho de homens e mulheres. Precisamos despertar a sociedade para que exista uma responsabilidade compartilhada. E, para além do compartilhamento da responsabilidade, acredito que conseguiremos ter avanços reais com relação ao assunto quando transformarmos a política do cuidado em política pública, política de Estado. E é isso que o presidente Lula está fazendo no atual governo, construindo a Política e o Plano Nacional de Cuidado voltado para cuidar de quem cuida.
Apesar de ainda não ter uma Política Nacional de Cuidado estruturada, o governo já realizou ações que, mesmo pulverizadas, dialogam com o tema. É o caso, por exemplo, da retomada das construções de creches e da ampliação das escolas em tempo integral que acabam liberando o tempo das mulheres que são mães.
Em 2021, o IBGE também mostrou que 30% das mulheres em idade ativa não procuram emprego por necessidade de se dedicar aos cuidados e afazeres domésticos. Também integra o rol de ações benefícios adicionais do Bolsa Família, como o voltado para crianças na primeira infância, gestantes, lactantes e recém-nascidos.
— Estamos em 2023 e nós, mulheres, continuamos sendo as principais responsáveis pelo trabalho de cuidado, enfrentando muitos desafios diariamente para exercer essa função sem deixar de lado as tantas outras atribuições que a sociedade nos impõe. Sabemos que historicamente a divisão social do trabalho coloca o homem como o provedor e a mulher como cuidadora e é por isso que precisamos debater sobre o assunto com urgência, para desconstruir essa realidade — afirmou Janja.
Lavanderias públicas
Hoje, o Ministério das Mulheres tem ainda um edital de R$ 2,6 milhões em 2023 aberto para a implementação de lavanderias públicas, projeto-piloto voltado para a construção da política nacional. O objetivo é reduzir o tempo despendido pelas mulheres em trabalhos domésticos. Há, ainda, um segundo edital, de R$6,6 milhões, para formação de mulheres nos temas de autonomia econômica e cuidado.
A Secretária de Autonomia Econômica e Política de Cuidados, Rosane Silva, do Ministério das Mulheres, avalia que, apesar dos instrumentos já existentes no país, as políticas ainda são pontuais e insuficientes para atender às necessidades de cuidado da população.
— É claro que a gente já tem alguns instrumentos que existem no país há muitos anos, mas são políticas pontuais. Nossa proposta agora é ter de fato uma política, como vários outros países têm construído — afirmou a secretária ao GLOBO, complementando: — A maioria das mulheres não são remuneradas, mas o debate central nem é se remunera ou nao, mas o quanto que essa política de cuidado é estruturante para a sociedade, é necessária.
Impactos econômicos
Uma política nacional de cuidados ainda traria um impacto econômico considerável. A Organização Internacional do Trabalho apontou, por exemplo, que 300 milhões de empregos poderiam ser criados no mundo até 2035 a partir dessas estruturas. Além disso, a ONU Mulheres considerou que a remuneração correta dessas atividades poderia causar um impacto de até 39% do PIB.
A secretária Nacional de Cuidados e Família, Laís Abramo, do Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome, afirmou que o governo trabalha para construir alguns indicativos locais, como, por exemplo, o impacto na economia nacional a partir da remuneração das atividades de cuidado. Abramo cita o exemplo do México, que constatou um impacto de 27% no PIB.
— É um trabalho que produz bens de serviço o tempo inteiro e isso não entra no PIB. Se a gente fosse fazer o equivalente monetário de todo esse trabalho não remunerado invisível, quanto custaria? Os países da América Latina fizeram esse cálculo e chegaram a conclusão que isso equivale a cerca de 20% do PIB. No México, equivale a 27%, mais que petróleo — afirmou.
Enquanto o Brasil ainda caminha para a construção de uma Política Nacional, países vizinhos como Colômbia, Argentina, Chile, República Dominicana e Uruguai já têm experiências que hoje são observadas pelo governo brasileiro.
Em Bogotá, por exemplo, foram implementadas as Manzanas del Cuidado (Quarteirões de Cuidados), regiões da cidade que concentram atividades de cuidado gratuitas. Já o Uruguai foi pioneiro na implementação do Sistema de Cuidados, em 2015, com um conjunto de ações públicas e privadas para atenção às atividades e necessidades básicas para as atividades diárias de cuidado.