Um mundo com igualdade de gênero pode até parecer impossível de ser alcançado, mas ninguém nega que o caminho para atingi-lo já começou a ser percorrido. À frente, puxando esse movimento, estão mães de crianças e adolescentes que, diferentemente das gerações passadas, lutam pela quebra de paradigmas e maior conscientização dos filhos.
Num futuro não muito distante, a expectativa é que essa tarefa reflita em uma sociedade menos machista, como apostam e acreditam as dez mães com as quais Universa conversou.
A seguir, elas compartilham alguns exemplos do que estão colocando em prática dentro de casa, no dia a dia, para que meninos e meninas de diferentes idades se tornem adultos que não façam distinção da capacidade entre mulheres e homens.
Naturalizar o trabalho doméstico
Na casa de Adriana Sahara, todo mundo é responsável pelas atividades domésticas. Rafael, o filho de 11 anos, é oficialmente “lavador de louça, arrumador de mesa e tratador das cachorras”. “Ele adora lavar louça. Coloca o celular no YouTube e manda ver”, comenta. Filho único, desde cedo foi incentivado a enxergar tudo com naturalidade. “Quando era bem pequeno, me pediu um liquidificador de brinquedo e uma vassoura. Ele já domina a questão de que não há essa separação no mundo de coisas de homens e de mulheres. Nunca o vi constrangido, por exemplo, ao falar com os amigos que ele lava louça ou ajuda a limpar a casa porque, para ele é bastante natural, mesmo porque o pai dele também arregaça as mangas nas tarefas”, diz a mãe.
Conviver com as diferenças
Maria tem 6 foi criada exclusivamente pela mãe Thaís Corrêa Fernandes até o ano passado, quando se casou pela primeira vez. “Desde que nasceu, ela teve o exemplo de uma mulher independente que cuidava de tudo”, pontua a mãe. Outro detalhe na vida da garota é conviver com casais homossexuais, dentro do círculo de amizades da mãe. “Sempre elogiou meninos e meninas da mesma forma, já me perguntou se quando crescer poderá namorar meninos e meninas e sabe que essa escolha será somente dela. É fã da Gloria Groove e sabe que existem meninos que gostam de se vestir como meninas, como a Gloria. Sabe também que existem meninas que nasceram meninos e vice-versa. Como ouve isso com muita naturalidade desde cedo, nunca recebeu nenhuma informação sobre gênero com estranheza”, relata Thaís.
Respeitar e cuidar do corpo
Valentina, 5 anos, sempre ouviu da mãe, Christine Xavier, que o corpo é só dela e que apenas as mulheres da família podem tocá-lo – na hora do banho, na troca de roupa etc. “Ela já está bem ciente sobre isso. Fui vítima de violência doméstica por dois anos, então quero deixar essa lição para ela, de que ninguém tem o direito de tocar sem a permissão, muito menos agredir uma mulher”, relata. Christine também se preocupa em reforçar que não existe padrão de beleza. “Ela tem cabelos compridos cacheados e, de uns tempos pra cá, diz que gostaria de ter franja lisa, pois todas as coleguinhas da escola têm. Digo à ela que os cabelos e corpos são lindos como são, que somos diferentes e todas temos nossa beleza e que podemos ser do jeito que quisermos”, detalha.
Ler sobre mulheres inspiradoras
Desde o nascimento de Carlos Eduardo, que em breve completará 3 anos, a mãe Janaína Moura se esforça para que ele fuja dos estereótipos e situações machistas. “Leio para ele, diariamente, pequenas histórias sobre mulheres que tiveram grande importância mundial. Elas pertencem ao livro ‘Histórias de ninar para garotas rebeldes’. Quero que ele entenda que as mulheres podem ser brilhantes também. Não estou trabalhando histórias de grandes homens, pois acredito que a convivência social e escolar fará isso por mim, no futuro”, avalia. Janaína, aliás, fez questão que o sobrenome do filho fosse a junção do dela e o do pai, adotando-se um hífen na criação de um composto. “Sentia uma agonia em pensar que ele não transmitir a gerações futuras o meu sobrenome”, justifica.
Mudar termos para evitar estereótipos
O trabalho de conscientização dos filhos pode começar bem cedo. É o que faz Luciana Teixeira Morais com o pequeno Bento, de apenas 1 ano e 5 meses. “Cuidamos bastante com a linguagem, para não criar estereótipos de que meninas são frágeis e só usam vestidos e brincam de bonecas. Sempre adotamos o termo criança, inclusive para que ele se sinta confortável em escolher o que for usar mais para frente. Por exemplo, ele tem um livro que ama que fala de um caminhão e, no final, aparece uma criança de cabelo curto e pijama verde. Com a visão viciada que já temos, vamos falar menino. Mas por que uma menina não pode ter cabelo curto? E quantas meninas usam pijamas? Acho que todas, não é?”, questiona a mãe.
Valorizar a carreira da mãe
Quando perguntada sobre a profissão que pretende seguir ao crescer, a pequena Clara, 4 anos, responde que quer ser pilota de avião (como o pai), veterinária e vendedora de cachorro-quente. Todas as opções são incentivadas e validadas pela família. Da mesma forma, a mãe Arenda Oliveira faz questão de valorizar a própria carreira, servindo de inspiração para a garotinha. “Digo sempre a ela que mamãe trabalha bastante porque, além de amá-la muito, ama a carreira que construiu”, diz Arenda, que atua na área de Tecnologia para Aviação, ainda muito masculina. “Fazer-se presente, desenvolvendo-se no mesmo ritmo da indústria, é fundamental”, defende a mãe, voluntária no Inspiring Girls, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com meninas de 10 a 15 anos, abordando possibilidades de carreiras e quebrando estereótipos de gênero.
Permitir vontades e embasar
Daniele Zebini é mãe de dois: João Pedro, 7 anos, e Leonardo, quase 4. Ela e o marido tentam livrá-los de todos os estereótipos que os garotos aprendem fora de casa. “Tomamos sempre o cuidado de dizer que não existe isso de ‘coisa de menino’ e ‘coisa de menina’. Também não tolhemos se querem fazer algo que é visto na sociedade como ‘de menina’. Um dia, Pedro me acompanhou na manicure e quis pintar a unha. Eu deixei, mas tomei o cuidado de mostrar para ele alguns roqueiros que também pintavam as unhas, para que entendesse que pinta a unha quem quer. Também expliquei que talvez os amiguinhos estranhassem na escola e dissessem que era coisa de menina. Se isso acontecesse, ele poderia argumentar que tinha muitos homens que pintavam as unhas”, exemplifica.
Quebrar os próprios preconceitos
Adele Grandis tem dois filhos – Serena, 8, e Prax, 1 ano e meio – e só quando a mais velha nasceu é que se deu conta que estava repetindo padrões preconceituosos aos quais foi exposta durante a vida. “Em casa, eu ouvia muito que ‘mulher não pode isso’, que ‘essa roupa quer dizer não sei o que’ e outras questões extremamente machistas. Quando adulta, reforçava muito esses padrões, julgava outras mulheres, pois vivia num meio muito masculino. Quando Serena nasceu e fui atrás do que queria dar a ela, percebi situações em que fui abusada e não tinha conhecimento, fui ter noção de quantas situações acabei sendo inferiorizada por conta desse tipo de pensamento. Acabei aprendendo, conforme ia ensinando para ela”, relata.
Trazer temas importantes para dia a dia
“Posso falhar como mãe, às vezes, posso não oferecer todos os bens materiais que dizem ser necessários, mas uma coisa não vai faltar: educação e consciência social”. A frase de Vivian B. Daque, mãe de Yarin, 5 anos, resume sua maior preocupação: que o filho cresça sem preconceitos. Em casa, assuntos sobre feminismo, racismo e discriminação social são temas básicos. “Abordo de maneira leve, para o entendimento dele”, explica. Entre as práticas corriqueiras, eles invertem papéis: adoram brincar de princesas e super-heróis e é Yarin quem escolhe quem será quem. “Na nossa brincadeira, as princesas lutam contra os monstros para salvar os heróis e os heróis usam roupas lindas, brilhantes, porque gostam de trocar de look. Em brincadeiras que exigem força ou mostram poder, muitas vezes, ele interpreta o papel de uma mulher. Quando os amiguinhos dizem que está interpretando errado, ele responde que a pessoa mais forte que conhece é a mamãe e desfaz a falsa realidade. Confesso que adoro”, reconhece.
Estimular a visão crítica
Nicolas, o filho de 7 anos de Cora Carolina, não tem a referência do pai, ausente, no dia a dia. “Como a criança aprende vendo, resta me desdobrar para ensinar a ele a importância de não repetir esse padrão”, defende a mãe. Ela também se empenha para introduzir uma visão mais crítica sobre as práticas que o garoto deve ter em relação às mulheres e às demais pessoas. “No dia em que ele bateu em uma amiga, reuni todas as crianças e fiz que reconhecesse o erro e pedisse perdão publicamente. Deixei bem claro que, da mesma forma que eu o defendo das maldades alheias, não permitirei que faça nada contra os outros, principalmente quando a motivação dele afetar pessoas mais vulneráveis, e isso se aplica 100% a qualquer agressão a uma mulher. Ele entendeu, isso não se repetiu”, conta.
Fonte: UOL