Documentário do casal de cineastas Ivi Roberg e Juliano Salgado joga luz sobre a potência das mulheres à frente do movimento indígena brasileiro, a começar pela ministra Sonia Guajajara
Sonia Guajajara tinha 17 anos quando sua tia Maria Santana a convocou para uma conversa. “Subi na garupa de uma moto e fui até a aldeia Lagoa Quieta, no território Arariboia”, conta a sobrinha. Chegando lá, no município de Amarante, no Maranhão, a tia a aguardava com colar e maracá [instrumento musical indígena]. “Ela me olhou e disse: ‘Quero te entregar esses presentes, são símbolos de liderança. Passo a você o poder da palavra. Todo mundo vai te ouvir. Esse maracá vai ecoar e você será a porta-voz do nosso povo’.”
Três décadas depois, Sonia Guajajara recorda a história em sua posse como ministra de Estado dos Povos Indígenas. É pioneira em muitas frentes (primeira indígena eleita deputada federal por São Paulo, primeira ministra indígena, primeira mulher na coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Naquele 11 de janeiro de 2023, lembrar a profecia da tia reforça a dimensão coletiva de seu trabalho. “Não estou aqui sozinha, estou aqui com a força de nossa ancestralidade”, disse.
A ATIVISTA SAmela Sateré Mawé é pintada por mulher KaYapó — Foto: ivi roberg/divulgação
As linhas que você tem diante dos olhos não narram apenas a história da Sonia. Este texto tampouco é só meu. É a história de uma coletividade, de um grupo de mulheres que cresce e não para de incorporar aliadas. Sonia Guajajara, Célia Xakriabá, Joenia Wapichana. Também Ivi Roberg, que conviveu intensamente com ela nos últimos tempos. E você, que a lê agora.
Sequência 1
São Paulo, fim de agosto de 2021. Ivi Roberg, de 44 anos, deixa seu apartamento, no bairro de Higienópolis, e ruma para o Aeroporto de Congonhas. Como outras mães de crianças pequenas na pandemia, havia passado os meses anteriores convivendo basicamente com a família, formada pela filha Nara, 3, e o companheiro, Juliano Salgado, 49.
Ivi tinha até então um envolvimento discreto com o movimento indígena. Havia elaborado um projeto de documentário sobre a pajé Mapulu Kamayurá e planejava fazer uma instalação documental com retratos de mulheres indígenas. Eram propostas que ainda procuravam seu caminho para virar realidade.
a deputada federal Célia xakriabá, sonia guajajara, os cineastas ivi roberg e juliano salgado, Ana patté e puyr tembé na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), em Glasgow, em 2021 — Foto: Divulgação