Uma das leis mais conhecidas pela população brasileira completou dez anos no domingo (7): a Lei Maria da Penha. Criada em 2006, a legislação foi uma das respostas do Brasil à condenação do país pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por negligência no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica que sofreu três tentativas de assassinato pelo seu ex-marido. O caso foi levado na época à corte da OEA pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).
Em nota pública divulgada na última quinta-feira (4) por ocasião dos dez anos da lei, a ONU Mulheres e instituições parceiras defenderam a legislação e a institucionalização de políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no país.
Passada uma década, as organizações signatárias afirmam que “são notórios os desafios para a aplicação da Lei Maria da Penha”. A nota cita a necessidade de ampliar a dotação de recursos financeiros e humanos em serviços especializados para atendimento com perspectiva de gênero, raça e etnia e que incorporem outras vivências das mulheres, bem como promover ações preventivas nas escolas por meio do ensino da igualdade de gênero, entre outras ações.
O documento é assinado pelo Consórcio de Organizações Não Governamentais Feministas pela Lei Maria da Penha, pelo Instituto Maria da Penha e pela ONU Mulheres Brasil. Confira a nota na íntegra.
Nota pública pelos 10 anos da Lei Maria da Penha: em defesa da lei e da institucionalização das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres
Reconhecida por 98% da população brasileira, a Lei Maria da Penha traz à tona, ao completar dez anos, o desafio urgente de dar continuidade à implementação das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres com perspectiva de gênero, raça e etnia.
Muitos avanços ocorreram nesses dez anos, mas, mesmo assim, nesse período, milhões de mulheres brasileiras vivenciaram agressões no ambiente doméstico e familiar, devido a tolerância social à violência contra as mulheres e a construção social de ser mulher por meio de relações opressivas. Milhares de mulheres tiveram as suas vidas devastadas. Muitas delas foram vítimas fatais dos efeitos da intimidação, perseguição e controle machista.
A Lei Maria da Penha é um legado feminista para o Brasil, cuja transformação profunda nas políticas do Estado brasileiro conduziu o direito de as mulheres viverem sem violência à centralidade do ordenamento jurídico nacional.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), do governo federal, exerceu liderança determinante à aprovação da lei e a coordenação na gestão pública federal, articulando políticas com estados e municípios, Legislativo, sistema de justiça, empresas e outros setores da sociedade.
No processo de discussão e implementação da Lei Maria da Penha, liderado pelo Consórcio de Organizações Feministas e de Mulheres, o governo federal instituiu a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2005) e criou a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 (2005).
Outros instrumentos fundamentais foram estabelecidos pela SPM, tais como o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2007), na 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres; a campanha Compromisso e Atitude (2012), voltado a operadoras e operadores de direito e justiça; o Programa Mulher, Viver sem Violência (2013), para integração de serviços especializados, humanização e celeridade nos atendimentos às vítimas; e a tipificação do feminicídio pela Lei n. 13.104/2015 como qualificadora do assassinato de mulheres com requintes de crueldade. Urge garantir a continuidade das ações!
Passados dez anos, são notórios os desafios para a aplicação da Lei Maria da Penha: ampliar a dotação de recursos financeiros e humanos em serviços especializados para atendimento com perspectiva de gênero, raça e etnia e que incorporem outras vivências das mulheres; promover ações preventivas nas escolas por meio do ensino da igualdade de gênero; aprimorar a produção de informação nacional e garantir a expansão de serviços especializados em municípios no interior do país; criar e implementar os serviços de responsabilização para homens autores de violência conforme previsto na legislação; sensibilizar os meios de comunicação para difundirem o direito das mulheres a uma vida sem violência.
A qualificação de gestores e gestoras para a implementação de redes de serviços especializados para o atendimento às mulheres com perspectiva de gênero, o acolhimento de saúde e a resposta da justiça são demandas a serem absorvidas com seriedade. Enfrentar a violência machista com o pleno atendimento de mulheres negras, jovens, rurais e com necessidades especiais, por exemplo, mostra os rumos que a Lei Maria da Penha tem de seguir, de maneira implacável, nos próximos anos.
É importante que a Lei Maria da Penha seja preservada de propostas legislativas que possam desfigurá-las. Ao completar 10 anos, urge dar continuidade a todas as ações iniciadas pelo governo federal para dar maior efetividade à aplicação da LMP.
Para tanto, é fundamental também o compromisso do poder público em todas as esferas de governo com a defesa da Lei para conseguir avançar na cobertura integral dos direitos por ela assegurados às mulheres brasileiras na sua diversidade.
Somente a atuação incansável, integrada e vinculada aos direitos das mulheres será capaz de implementar a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com o objetivo de eliminar a violência machista e reverter o 5º lugar que o Brasil ocupa num ranking de 83 países em assassinatos de mulheres. Um ranking que expressa a quantidade de vidas desperdiçadas pelo machismo.
Consórcio de Organizações Não Governamentais Feministas pela Lei Maria da Penha
Instituto Maria da Penha
ONU Mulheres Brasil
Fonte: ONU