Atualmente, a disciplina, optativa para alunos de licenciatura em Filosofia, é aberta para estudantes de outras modalidades
ristine de Pizan, Angela Yvonne Davis e Lélia Gonzalez. Essas são algumas das filósofas que, apesar de desconhecidas por grande parte dos estudiosos da área, ganham protagonismo no curso “Filosofia e Feminismo”, disciplina ministrada pela Universidade de Brasília (UnB) durante o curso de verão.
Mais do que parte de um movimento de valorização das mulheres, que vêm ganhando força em todo o mundo, a disciplina questiona o tipo de conhecimento teórico que é construído nos dias de hoje. “Trazer o conhecimento dessas autoras, que produziram excelentes textos desde a antiguidade, é um acerto de contas não só para as mulheres, mas também uma maneira de repensar a filosofia como a conhecemos”, explica a professora da disciplina Ana Míriam Wuensch (foto).
A UnB se tornou pioneira no país ao buscar o pensamento feminista do ponto de vista da filosofia. “Podemos encontrar, em outras universidades, disciplinas que abordam o assunto a partir de estudos sociais, mas na filosofia isso é bastante raro”, diz Wanderson do Nascimento, professor que ministrou a primeira edição do curso, no segundo semestre do ano passado.
Atualmente, a disciplina — aprovada em colegiado da UnB — é optativa para alunos de licenciatura em Filosofia e é aberta para estudantes de outras modalidades. Antes, a temática já havia sido abordada em sala de aula sob outros títulos, como “Tópicos Especiais de Filosofia”, “Antropologia Filosófica” e “Seminário especial de Filosofia”, todos ministrados entre 2003 e 2004.
Diversidade
Diferentemente do que a maioria das pessoas pensam, “Filosofia e Feminismo” não é um curso voltado para mulheres. Cerca de metade dos alunos que participam das aulas são homens. “Os textos dessas filósofas apresentam uma perspectiva completamente diferente da história que temos hoje. Os pensamentos escritos por elas têm poder de desconstruir o que entendemos atualmente como o cânone da literatura especializada”, afirma o estudante em filosofia João Amorim.
Alguns alunos aproveitaram a disciplina também para ir além da oposição feminino-masculino. “Trazer autoras que antes estavam nas sombras mostra que, muitas vezes, a sociedade não é feita para qualquer pessoa que não se enquadre num papel social específico. Os transsexuais são um bom exemplo dessa problemática”, explica a estudante em Serviço Social Lucci Laporta. “Trazer esse debate para a sala de aula é fazer valer aquele que deveria ser o principal objetivo de uma universidade: ser a vanguarda do conhecimento”.
Convidados
Além da aula expositiva, em que a professora traz informações aos alunos, a disciplina conta com outros atrativos. Um deles é a apresentação de pesquisadores da cidade que trabalharam o assunto. Uma delas é Aline Matos, que elaborou a monografia “Pensar o invisível: as mulheres negras como produtoras de pensamento filosófico”, trabalho de conclusão do curso de licenciatura em Filosofia na UnB.
Cada vez mais encontramos pesquisadores atrás de pessoas que apresentem uma nova forma de ver o mundo. E as pensadoras, que tiveram pouca representatividade em estudos acadêmicos, se tornaram potenciais objetos de pesquisa“
Além disso, parte da avaliação consiste em formar grupos cujo objetivo é debater temas que dizem respeito à disciplina (como, por exemplo, as novas masculinidades) ou analisar a fundo a obra de uma filósofa específica. “Essa troca de conhecimento é muito importante para que a gente possa ampliar a nossa pesquisa sobre o assunto. Nossos alunos têm muito o que acrescentar à aula também”, diz Ana Míriam.
Graças a essa abertura, é possível perceber como a turma se envolve no assunto. Em certo momento da aula, uma aluna levantou a mão e fez a seguinte pergunta: “Como pensar em opressão à mulher se não pensarmos na opressão que o homem sente ao vivenciar experiências vistas pela sociedade como femininas?”. Daí outras três pessoas pediram a palavra para contestar (ou concordar com) o que a colega disse, umas mais calorosas que os outros. Todos na ânsia de debater o assunto que tão pouco é conversado em outras salas de aula.
Conheça cinco filósofas que merecem ser estudadas:
Conhecida como uma das precursoras do feminismo, a veneziana Cristina é vista como a primeira europeia a viver unicamente do trabalho escrito. Publicou “A Cidade das Damas” em que prospecta o relacionamento entre homem e mulher não-hierárquico. Além disso, tornou-se uma ferrenha guerreira contra o amor cortês, o uso de palavras chulas para descrever o sexo feminino e também denunciou a misoginia que existia à época. Para ela, desvalorizar a mulher era sinal de profunda ingratidão do homem.
Criadora do pensamento que envolve a “banalidade do mal”, a alemã Hannah Arendt se tornou célebre após a publicação de suas conclusões filosóficas sobre o julgamento de nazistas envolvidos no extermínio de judeus durante a II Guerra Mundial. Para ela, por mais contraditório que pareça, somente a vigilância poderia preservar o ser humano e a liberdade dos indivíduos. Isso ocorre porque a filósofa acreditava que o homem não pode ser definido como bom ou mau, mas sim um meio termo entre os dois opostos.
Os pensamentos da filósofa francesa Simone de Beauvoir foram transformados em polêmica após ter um trecho do livro “Segundo Sexo” citado na prova do Enem de 2015. Uma das principais integrantes da filosofia existencialista europeia, marcou presença ao situar o entendimento sobre “ser mulher dentro da sociedade” no centro de sua obra. Tinha como parceiro com o também existencialista Jean-Paul Sartre, fez do relacionamento um tanto quanto incomum (eles tinham parceiros fora do casamento e conversavam sobre eles abertamente um com o outro) tema para diversos livros filosóficos.
Para além de seus estudos sobre gênero, a autora mineira buscou uma releitura da história sobre a escravidão no Brasil. Além disso, reforçou o papel dos quilombos e das insurreições que ocorriam contra os senhores brancos e trouxe a imagem de um negro que não se conformou com a escravidão. Também estudou a história do país sob a ótica da mulher negra, até então sem qualquer representatividade nacional.
Nascida em Costa do Marfim, a doutora em filosofia foi responsável por analisar os caminhos da filosofia moderna africana. A partir de seus estudos, dividiu o cânone de seu continente em quatro grupos: etnofilosofia, sagacidade filosófica, filosofia ideológica-nacionalista e filosofia profissional. Daí, ela se distancia de um pensamento africano formado unicamente pelas colônias europeias.
Fonte: Metrópoles