“13 de setembro de 2017. Linha Amarela do metrô, estação Paulista. Naquela noite, voltando do trabalho, vagão lotado, senti algo quente na minha calça. Quando olhei para trás, me deparei com um cara com o zíper aberto.”
O relato acima, feito por uma mulher, abre o documentário “Chega de Fiu Fiu”. Dirigido por Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão, ele mostra como a presença das mulheres nos espaços públicos é marcada por inseguranças. Entre as muitas questões levantadas pelas diretoras, uma se coloca em relevo: “As cidades foram feitas (também) para mulheres?”.
A narrativa acontece por meio das vidas de Raquel, Rosa e Teresa, moradoras de três cidades brasileiras, São Paulo, Brasília e Salvador, respectivamente.
Assédio não escolhe hora nem lugar para acontecer, e por isso o documentário percorre das periferias aos centros urbanos do país, ouvindo, além das três protagonistas, outros relatos de abuso. “Fiu fiu é assédio e assédio é violência”, diz uma das vozes de mulheres. “Ele disse que eu era sequinha e feia, mas que se eu desse mole, ele metia a vara”, diz outra. “Um homem me parou no Largo do Machado, no Rio, e disse que queria me chupar toda”, narra mais uma.
Veja o vídeo acessando ao link da matéria: Universa/UOL
Ele disse que eu era sequinha e feia, mas que se eu desse mole, ele metia a vara.
“Quando eu era lida como homem pela sociedade, tinha o privilégio de andar na rua sem ser assediada. Agora, é buzinada o tempo todo”, conta Rosa, sob a perspectiva de ser uma mulher trans e poder comparar os olhares dos homens antes e depois de sua transição.
“A dinâmica de cada uma das personagens com suas cidades foi nos ajudando a construir o argumento do doc. Ao longo do projeto, criamos artifícios de filmagem como os óculos-espiões [óculos com uma microcâmera), que nos permitiram explorar o modo como o corpo é percebido no espaço público. Assim, as personagens puderam também se utilizar de um instrumento de denúncia. O próprio corpo delas se tornou ferramenta da narrativa”, diz Amanda, uma das diretoras.
Raquel e Rosa são negras. O filme é claro ao mostrar que o assédio é mais agressivo para elas do que para Teresa, que é branca. Aliás, ter duas mulheres negras entre as protagonistas foi uma premissa das diretoras. “Queríamos reforçar que as negras sentem o assédio de forma mais dura. Violência de gênero e raça caminham juntos”, explica Amanda.
Queríamos reforçar que as negras sentem o assédio de forma mais dura. Violência de gênero e raça caminham juntos.
Ter uma mulher transgênero no trio de personagens principais também foi proposital. “A experiência dela tem particularidades doloridas”, completa a diretora. Por Rosa ser mulher, trans e negra, ela é alvo de vários tipos de ataques.Produzir o filme também mexeu com a forma que ela própria passou a responder ao assédio. “Hoje tento andar na rua de cabeça erguida. Quase sempre, essa atitude intimida as cantadas.”
O filme tem estreia prevista para 15 de maio, na Cine Sala, em Pinheiros, em São Paulo (SP). Produzido com dinheiro de um financiamento coletivo, em 24 horas, ultrapassou a meta de R$ 20 mil a que se propunha: recebeu R$ 67 mil, de cerca de 1.210 apoiadores.
86% das brasileiras já sofreram assédio em espaços públicos
Segundo pesquisa da ActionAid, de 2016, 86% das brasileiras já sofreram violência sexual ou assédio em espaços públicos. Delas, 77% ouviram assobios, 57%, comentários de cunho sexual e, 39%, xingamentos. Cerca 50% foram seguidas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% viram homens se exibindo para elas e 8% foram estupradas.
Há alguns anos, assédio era uma palavra não dita, um assunto discutido apenas em bolhas feministas.
Um outro estudo, este feito pelo Ipea, em 2014, “Tolerância social à violência contra as mulheres”, mostrou que 26% dos brasileiros concordam com a afirmação “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”; e um levantamento do Fórum de Segurança Pública de 2016 descobriu que uma em cada três pessoas acredita que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”.
“Há alguns anos, assédio era uma palavra não dita, um assunto discutido apenas em bolhas feministas. Houve a necessidade de ampliar essa conversa. Não poderíamos estagnar nessa ideia do assédio como algo micro, a cantada de rua. É necessário olhar que papel ele desempenha dentro da cultura do estupro e como alimenta a roda hostil do machismo”, diz Juliana de Faria, fundadora da Think Olga
Veja onde assistir “Chega de Fiu Fiu”
Brasília – DF: 27/05 ; Cachoeira – BA: 20/05 ; São Paulo – SP: 15/05 ; São Paulo – SP: 23/5 ; Belo Horizonte – MG: 22/5 ; Rio de Janeiro – RJ: 22/5 ; Salvador – BA: 22/5 ; Porto Alegre – RS: 22/5 ; Florianópolis – SC: 22/5
Qualquer pessoa pode ser um exibidor do filme
O filme está disponível, gratuitamente, para qualquer pessoa ou organização que queira levá-lo para seu espaço em uma exibição coletiva por meio da plataforma www.taturanamobi.com.br.
Fonte: Universa/UOL