PGR questionou Supremo sobre a conduta das autoridades em julgamento de crimes como o estupro. Julgamento será retomado nesta quinta-feira (23); dois outros ministros já adiantaram seus votos ao acompanhar a relatora.
Por: Fernanda Vivas
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (22) para invalidar a prática de desqualificar e culpar as mulheres vítimas de violência sexual quando ocorre o julgamento desses crimes na Justiça. O uso da estratégia levará à anulação do procedimento.
A ministra é a relatora de uma ação da Procuradoria-Geral da República, que voltou à pauta do Supremo.
O caso começou a ser analisado em março deste ano, com a apresentação de argumentos das partes do processo. Agora, volta à pauta nesta semana para a apresentação dos votos dos ministros.
Já acompanharam o voto de Cármen Lúcia os ministros Dias Toffoli e Edson Fachin.
O julgamento será retomado nesta quinta-feira (23), com o voto do ministro Cristiano Zanin.
Voto da relatora
O julgamento foi retomado com o voto da relatora, a ministra Cármen Lúcia. A ministra citou o tratamento dado às mulheres vítimas de crimes sexuais pelas autoridades.
Cármen Lúcia pontuou a necessidade que o direito da igualdade se transforme em prática social, por meio da educação. Nesse ponto, ela citou a luta das mulheres — e a sua própria — pela igualdade.
“Eu continuo tendo que provar que eu não pareço igual, que, para os fins profissionais, de atuação na sociedade, de ter o mesmo reconhecimento, eu sou igual. Somos diferentes fisicamente, fisiologicamente, psiquicamente, mas o direito de ser igual na dignidade de homens e mulheres há de ser preservado”, declarou.
A relatora pontuou que as atitudes das autoridades revitimizam e intimidam as mulheres.
“A forma mais fácil de fragilizar o ser humano é o medo. Isso gera o medo do agressor e da instituição”, pontuou.
Demais ministros
O ministro Dias Toffoli já informou que vai acompanhar a relatora. E ressaltou a importância do caso.
“Esse é um voto para a história do Supremo. Esse é um dos temas mais preocupantes da sociedade brasileira: a violência contra a mulher”, salientou.
Argumentos da ação
A ação da PGR, apresentada em dezembro do ano passado, questiona o tratamento dado pelo sistema de Justiça e o Poder Público às vítimas de crimes sexuais.
Para o Ministério Público, há um viés de gênero no julgamento de crimes deste tipo, o que acaba permitindo que advogados dos acusados dos delitos desenvolvam defesas usando como argumentos detalhes da vida íntima da mulher – como o seu comportamento e escolhas sexuais – sob uma perspectiva moralista.
Além disso, o MP argumenta que ações e omissões das autoridades violam princípios constitucionais como o da dignidade humana, da dignidade e liberdade sexual, da igualdade de gênero e do devido processo legal.
“O intento é obter pronunciamento do Supremo Tribunal Federal que vede expressamente tanto a prática de desqualificação da vítima, em geral promovida pela defesa do acusado do crime, como a consideração ou a ratificação judiciais de alegações nesse sentido, que direcionem o julgamento respectivo para a absolvição do acusado ou, de algum modo, o beneficiem na aplicação da pena”, afirmou a PGR.
A ação pede que o Supremo determine as seguintes medidas:
- que personagens do processo – acusados, advogados – sejam proibidos de fazer menção a detalhes de relacionamentos amorosos da vítima.
- que os juízes sejam obrigados a combater este comportamento da defesa dos réus – determinando que respondam na Justiça por isso. Se não fizerem, que os magistrados sejam punidos por descumprir seus deveres na condução do processo.
- que, ao decidir os casos, os juízes não usem informações sobre a vida íntima da vítima para fixar penas mais brandas aos condenados.
“Incumbe aos poderes públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios garantir às mulheres, com seriedade, espaço seguro e livre de discriminações no processamento e julgamento de crimes contra a dignidade sexual, eliminando barreira adicional à denúncia de criminosos”, defende o pedido.
“O discurso de desqualificação da vítima, mediante a análise e a exposição de sua conduta e hábitos de vida, parte da concepção odiosa de que haveria uma vítima modelo de crimes sexuais, como se se pudesse distinguir as mulheres que mereçam ou não a proteção penal pela violência anteriormente sofrida”, completou.
O caso começou a ser analisado em março deste ano, com a apresentação de argumentos das partes do processo.
Agora, volta à pauta para a apresentação dos votos dos ministros. A deliberação começa com o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia.
Fonte: G1