Fotos históricas mostram mobilização ocorrida há 100 anos na capital dos EUA, que agora deve ser palco de novo protesto contra a desigualdade de gênero
Horas após a eleição do novo presidente americano, Donald Trump, uma página no Facebook lançou o projeto de realizar uma marcha de mulheres em Washington que marcasse sua oposição – e de quaisquer outros grupos que quisessem se juntar ao protesto – ao novo governo. O movimento cresceu rapidamente, ganhando milhares de adeptos, e irá às ruas da capital americana no dia 21 de janeiro, sábado, dia seguinte à posse de Trump.
Em entrevista ao jornal “The New York Times”, Breanne Butler, uma das organizadoras da marcha, disse que a manifestação é uma afirmação política, uma demonstração de “boas vindas” por parte de grupos marginalizados e atacados por Trump durante a campanha presidencial, que agora tentam mostrar estar atentos a suas ações. Por isso, direitos de imigrantes e de minorias em geral também estão em pauta, além das questões de gênero.
Segundo Cassady Fendlay, uma das porta-vozes da marcha, são esperadas 200.000 pessoas no sábado. As forças de segurança da capital estão se preparando para uma manifestação de até 400.000. No Facebook, até dia 17 de janeiro, havia 200 mil confirmados.
A expectativa é de que seja uma manifestação sem precedentes no país contra um presidente recém eleito. Entre as personalidades que confirmaram presença na marcha estão a ativista Gloria Steinem – presidente honorária da marcha -, a acadêmica Bell Hooks, as atrizes Uzo Aduba, Julianne Moore, Cher e Scarlett Johansson, além da comediante Amy Schumer.
A marcha está levantando fundos para os ônibus que vão levar a Washington manifestantes de todo o país. Com U$ 1,5 milhão conseguidos pela campanha, 76% da meta já foi cumprida.
Manifestações em solidariedade à marcha também estão programadas para acontecer simultaneamente em outros países, uma delas no Rio de Janeiro, de acordo com um mapa feito pelo site da marcha.
De 1913 a 2017: quais causas levaram feministas às ruas de Washington
A expectativa em torno da marcha anti-Trump que será comandada pelas mulheres no dia 21 tem remetido a outro momento histórico.
A primeira marcha das mulheres em Washington, realizada no dia 13 de março de 1913, é um marco das origens do movimento feminista nos Estados Unidos e pleiteou, naquela época, o direito ao voto. Ela também esteve conectada à posse de um presidente: a procissão pelo sufrágio feminino aconteceu na véspera do início do mandato de Woodrow Wilson.
A manchete do “New York Times” no dia anterior à marcha de 1913 era “Mulheres começam invasão”, segundo o site “Timeline”. Isso porque centenas delas desembarcavam em Washington, vindas de várias partes do país, para participar da marcha. A presença de cavalos e carruagens são elementos comuns nas fotografias da manifestação.
Entre 5.000 e 8.000 mulheres marcharam em Washington em 1913, e uma quantidade equivalente de espectadores assistia à parada ao redor. As fotos existentes do protesto, segundo o site “Timeline”, não mostram a violência com que ele terminou.
São documentos de uma marcha organizada e pacífica, como ela foi no início, que mostram mulheres em vestidos longos do início do século, com gardênias nas lapelas e cartazes pelo direito ao voto para as mulheres. Muitas delas seriam agredidas por homens que assistiam à marcha e presas pela polícia mais tarde.
As sufragistas eram mulheres brancas – o feminismo era então, por reflexo da sociedade americana, largamente segregacionista. Apesar das tensões raciais existentes e do foco nos direitos das mulheres brancas, mulheres negras também marcharam na ocasião – apesar de terem sido colocadas atrás das mulheres brancas.
O movimento sufragista americano conquistaria o direito ao voto apenas em 1920, quando a 19ª emenda, que determinou o direito ao voto em todos os estados em direito independente do sexo, se tornou parte da constituição americana.
Mulheres marcharam em Washington diversas vezes desde 1913, em consonância com o momento histórico e com a evolução das reivindicações do movimento feminista: marcharam nos anos 1960 pelo fim da Guerra do Vietnã, nos anos 1970 pela atualização do texto da “Equal Rights Amendment” – a emenda que garante direitos iguais a homens e mulheres na constituição americana -, nos anos 1980 pelo direito ao aborto e outros direitos reprodutivos, nos anos 1990 pela vida das mulheres, também com foco no direito ao aborto legal e seguro e nos anos 2000 contra a violência doméstica.
Questões raciais atravessam as marchas
Desde o início da organização da marcha de mulheres contra Trump, o debate racial surgiu como um ponto relevante – se a oposição ao novo presidente aproxima cidadãs de diversas origens que o identificam como um inimigo dos direitos das mulheres, muitas outras diferenças de classe e raça as afastam. Embora todas sofram de alguma forma com o machismo, ele incide de forma diferente sobre mulheres ricas e pobres; sobre negras, brancas ou latinas.
Apesar de desejarem promover um evento unificado, as organizadoras declararam, segundo o “New York Times”, ter sido uma escolha deliberada dar ênfase maior aos direitos das minorias e de mulheres imigrantes sem papéis e provocar “discussões desconfortáveis sobre raça”. Para a líder da Associação Árabe de Nova York, a muçulmana Linda Sarsour, que também é uma das mulheres que presidem a marcha, essa era uma oportunidade de levar a discussão a uma patamar mais profundo.
Um tweet na página oficial da marcha cita uma frase da teórica feminista Bell Hooks que diz que a irmandade entre mulheres só pode ser construída quando se confronta as maneiras – relativas a sexo, classe e raça – pelas quais mulheres também dominaram e exploraram outras mulheres.
O debate enveredou para o fato de as mulheres brancas só estarem tomando conhecimento agora, com a eleição de Trump, de uma realidade já conhecida por mulheres que fazem parte de alguma outra minoria, como as negras e latinas. Mulheres de outras origens raciais se manifestaram nas redes para que mulheres brancas reconhecessem seus privilégios. Em reação, algumas mulheres brancas desistiram de participar do protesto, segundo o “The New York Times”.
Em 1913, mulheres negras marcharam junto com as brancas, mas não exatamente. Foi determinado pela organização que as mulheres negras que participaram da marcha pelo sufrágio ficassem no fundo do ato.
Fonte: Nexo