O empreendedorismo para a mulher negra, que já tem uma luta dobrada para enfrentar os preconceitos de gênero e de raça, tem sido um caminho promissor para driblar as altas taxas de desemprego e os baixos salários
Melissa Castilho Diamantino, da Áfricas Agência de Notícias – O empreendedorismo para a mulher negra, que já tem uma luta dobrada para enfrentar os preconceitos de gênero e de raça, tem sido um caminho promissor para driblar as altas taxas de desemprego e os baixos salários. Aliado ao conhecimento, esse formato de trabalho autônomo, tem contribuído para a conquista de respeito social, identidade e sucesso para muitas mulheres.
Em dez anos o número de negros donos de micro e pequenos negócios cresceu 28,5% no Brasil. Em 2001, eram 8 milhões e 600 mil empreendedores declaradamente negros, número que saltou para mais de 11 milhões em 2011, de acordo com dados do Sebrae.
Nestes índices estão incluídas quatro mulheres que decidiram abrir seus próprios negócios, na cidade de São Paulo, e hoje são empreendedoras de sucesso, que geram emprego e oportunidade direta e indiretamente para muitas pessoas. Apesar das dificuldades, a gaúcha Soraia Motta, da confecção de roupas e acessórios Maria Babado de Chita; e as irmãs Joice, Lucia e Cristina Venâncio da loja de bonecas Preta Pretinha são exemplo de capacidade de superação e determinação. Outra coincidência é que as empreendedoras escolheram o bairro da Vila Madalena para instalarem seus negócios.
Maria Babado de Chita: moda, beleza e identidade
Inaugurada em 2004, a Maria Babado de Chita, traz o nome da filha de Soraia, Maria Antonia. A empresária formada em jornalismo e casada com um músico, disse que sempre curtiu moda. Ela iniciou seu negócio há cerca de 10 anos, aproveitando a oportunidade de participação no Fórum Social Mundial da Cultura, realizado em Porto Alegre, vendendo seus produtos para artistas negros.
Entusiasta e orgulhosa da cultura afro-brasileira, ela expandiu sua coleção também para pessoas que, assim como ela, valorizavam acessórios étnicos, coloridos e peças originais como turbantes. Fez tanto sucesso que, após participar por quatro anos do Fórum, conseguiu acumular capital e abriu seu próprio ateliê. Sempre com muito trabalho, dedicação e com alguns casos de discriminação. “Vivi muitas situações de preconceito, que vinham, sobretudo, de minhas clientes. Elas entravam na minha loja e perguntavam pela “minha patroa”. Ficavam sem graça quando eu dizia ser a proprietária do negócio e mudavam de postura quando eu me expressava, com educação e com cultura”, complementa.
“As pessoas costumam achar que o negro pertence apenas à periferia. Eu e minhas irmãs, por exemplo, somos formadas e temos planos, de carreiras, muito bem definidos. Assim como nós, muitos outros negros têm excelentes formações educacionais e profissionais. Em minha loja, faço questão de contratar funcionários negros, para dar oportunidade”, completa.
Soraia acredita que a informação é a grande arma que o negro tem para aprender a se posicionar. “Conhecermos nossa origem e nossa ancestralidade – com seus deuses e seus heróis – isto pode nos ajudar a desenvolver nosso poder de argumento, sobre quem somos e do que somos capazes.”
As roupas da Maria Babado de Chita são confeccionadas em tecido 100% brasileiro, usadas, à princípio, por grupos folclóricos das regiões do Nordeste e Minas Gerais. Hoje estão nas passarelas do mundo inteiro e em uma loja própria da marca.
Preta-Pretinha: um sonho de infância virou negócio para resgatar a autoestima
“Diversidade é coisa séria, mas a gente transforma em alegria”, é assim que Joyce, uma das proprietárias da Loja Preta Pretinha, define o conceito de seu negócio.
Quando criança, ela e suas irmãs não se reconheciam nas bonecas oferecidas pelas lojas da época: loiras, brancas e com cabelos lisos. Foi então que a avó, Maria Francisca, preocupada com os temas da tolerância e da autoestima na família, costurou bonecas de pano nas cores preta e marrom. Esses ensinamentos, então guardados num compartimento da memória afetiva, foram acionados na hora certa para serem compartilhados e replicados. Hoje, através de uma loja exclusiva de bonecas negras e para públicos diversos.
Criar bonecas à imagem e semelhança das pessoas reais era um sonho de infância da psicóloga Joyce Venâncio, sócia do negócio juntamente com suas irmãs Lúcia e Cristina. “Não me identificava com as bonecas brancas e loiras. Queria algo que fosse a extensão da minha família”, conta. “Já são 15 anos fazendo bonecas e bonecos com traços marcantes e com uma linha voltada para o tema inclusão”, afirmou a empreendedora paulista.
No final da década de 90, após a demissão de Joice, que trabalhava como produtora em uma emissora de TV, a ideia da avó acabou se transformando num negócio lucrativo e educativo. Em meio à crise financeira quando se viu demitida, primeiro veio o desespero com o recomeço, depois a inspiração e determinação para colocar o projeto em prática.
A Preta Pretinha tem certificado de exclusividade de seus produtos e confecciona além de bonecas negras, bonecos judeus, índios, mulçumanos, amputados, orientais, cadeirantes e ruivos. São mais de 150 modelos de bonecas (que custam entre 15 e 285 reais), formando um belo mosaico de pequenas obras-primas, com fisionomias e etnias diferenciadas.
Conforme o ateliê foi crescendo – hoje cerca de 30 mil bonecas são vendidas por ano –, a diversidade foi aumentando. Intuitivamente ou a pedidos, Joyce diz que fez das bonecas uma forma de representar as diferenças e a própria condição humana. “Criamos uma boneca adolescente grávida para ser um instrumento de discussão entre os jovens sobre a gravidez precoce e suas consequências”, afirma.
O interessante é que a recepção do público, nem sempre é positiva. Segundo a empresária, existe ainda certa timidez, dos clientes afrodescendentes, onde apenas 20% compram as bonecas negras. “Há uma resistência muito grande. Escuto mães dizendo que não querem que seus filhos sejam caçoados na escola.”
Por essa razão, muitos educadores procuram o ateliê para usar os brinquedos em suas atividades. Já os psicólogos costumam adquirir algumas peças para auxiliar os pequenos pacientes a lidar com problemas envolvendo bullying, por exemplo. Por conta da procura destes profissionais, as irmãs criaram o Instituto Preta Pretinha, especialmente para tratar destas questões de diversidade e inclusão social junto as escolas e instituições de ensino.
Empreendedorismo da mulher negra faz parte da nossa história
Muito antes da abolição, senhores de engenho obrigavam as escravas a produzir itens típicos de sua cultura, como o acarajé, e comercializá-los. A maior parte da renda era para os senhores, mas as escravas já empreendiam, embora em condições muito negativas. De onde elas vinham, nos mercados africanos, quem trabalhava eram as mulheres, e ao chegar aqui elas também fizeram isso durante e depois da escravidão.
A antropóloga Ana Lúcia Valente, pesquisadora da Universidade de Brasília, destacou que com a abolição muitos negros livres se tornaram empreendedores como forma de lutar pela inserção social. Sem muitas alternativas para garantir o sustento próprio e de suas famílias, ex-escravas ofereciam serviços de culinária, costura e lavagem de roupas.
“Era, na verdade, uma estratégia de sobrevivência, uma luta para que conseguissem sua inserção social. Com isso ficou provado que o empreendedorismo feminino não é uma novidade no Brasil só que ele começou a ser valorizado pela sociedade mais recentemente”. A pesquisadora enfatiza que a atividade empreendedora, ao ajudar as mulheres negras a gerar renda, contribui para o fortalecimento de uma identidade positiva e de autonomia, principalmente quando elas são chefes de família.
Mulher negra ganha 172% menos no mercado formal e na informalidade 57,6% menos
Apesar da mulher negra ser uma protagonista histórica no empreendedorismo, a situação para esta parcela da população ainda é de desigualdade na economia brasileira. Se as mulheres recebem salários 26% menores que os homens, segundo o Relatório Estatísticas de Gênero – Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010, do IBGE, as negras ganham ainda menos.
As mulheres negras que trabalham sem carteira assinada têm salário médio mensal 57,6% menor que as trabalhadoras brancas, amarelas e indígenas. A média de rendimentos das brasileiras negras é de R$ 625 frente aos R$ 985 ganhos pelas não negras. Essa é umas informações contidas no Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras em Micro e Pequenas Empresas, elaborado pelo Sebrae e Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) entre 2002 e 2012.
No número de empregos, a discriminação também é estampada pelos números. São 498.521 empregos formais de mulheres negras contra 7,6 milhões de mulheres brancas e 11,9 milhões de homens brancos.
Um estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que um trabalhador negro recebe em média um salário 36,1% menor que o de um não negro, independentemente da região onde mora ou de sua escolaridade. Segundo o estudo, a diferença salarial e de oportunidades de trabalho são ainda maiores nos cargos de chefia.
De acordo com o estudo, a diferença de remuneração sem registro formal cai nas microempresas – aquelas com até dez funcionários. Nas empresas com mais de 20 empregados, a diferença de salário das negras em comparação às de demais cor é de 83,2%. Já nas empresas de pequeno porte, os rendimentos são um pouco mais equilibrados, a diferença de salários é de apenas 37,6%.
Serviço:
Maria Babado de Chita
Endereço: Rua Purpurina, 525 – Sumarezinho – São Paulo – SP
De segunda a sexta 10h – 19h / Sábado 10h – 15h
Telefone: (11) 2339 4088
mariababadodechita.blogspot.com.br
Loja de artesanatos, roupas e bijuterias com inspiração bem brasileiras, malhas coloridas e manequim até 46
Preta Pretinha
Endereço: Rua Aspicuelta, 474 – Vila Madalena – São Paulo – SP
De segunda a sexta 09h – 19h / Sábado 11h – 19h / Domingo fechado
Telefone: (11) 3812 6066
www.pretapretinha.com.br
Ateliê de bonecas de pano
Fonte/Foto: Brasil 247