Deputadas tentam votar criação de fundo de combate à violência contra a mulher, mas bancada da Bíblia insiste que o projeto irá financiar abortos.
Em meio à discussão na Câmara dos Deputados de uma proposta que pode inviabilizar o aborto até em casos de estupro, as bancadas feminina e religiosa irão enfrentar um novo embate nesta semana. A intenção é aprovar o projeto de lei que cria o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, mas parlamentares católicos e evangélicos querem uma garantia de que os recursos não irão impactar na flexibilização da interrupção da gravidez.
Proposto pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, o texto original do PL 7371/13 prevê recursos para ações como assistência a vítimas da Lei Maria da Penha, medidas pedagógicas e campanhas de prevenção, pesquisas e reforma de instalações dos abrigos.
Em fevereiro, a bancada feminina tentou votar a proposta, em razão do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, mas parlamentares da bancada da Bíblia, contudo, travaram a aprovação do PL. Na época, o relator era o deputado Pastor Eurico (PHS-PE). Tentou-se votar o projeto também em 2015. A nova tentativa é motivada pela campanha global das Nações Unidas dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, iniciada em 20 de novembro.
Combate à violência contra mulher x aborto
O entrave é que a bancada religiosa argumenta que, da forma como o texto está, poderá ser usado para financiar o aborto ou eventualmente ampliar as previsões legais para interrupção da gravidez.
O fundo de combate à violência contra mulher “pode facilmente ser utilizado pelas nossas autoridades para promover a difusão do aborto no Brasil”, afirma o deputado Diego Garcia (PHS-PR) em uma emenda ao texto em que estabelece que nenhum dos recursos “poderá ser aplicado em equipamentos, serviços ou atividades relacionadas, direta ou indiretamente ao aborto provocado”, incluindo os casos previstos no Código Penal.
Isso significa que o dinheiro do fundo não poderia ser usado para pagar procedimentos no SUS nos casos de estupro e risco de vida da mãe, duas situações de aborto legalizadas no Brasil.
O projeto original não faz qualquer menção à interrupção da gravidez, mas deputados conservadores acreditam que ele poderá servir como um “abortoduto”, como apelidaram o projeto nos bastidores.
Na interpretação do grupo, a previsão dos recursos serem destinadas à Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres seria um risco porque essa política pode mudar em governos futuros e, eventualmente, incluir uma discussão sobre aborto.
Acordo ou briga entre deputados?
A bancada feminina tem conversado com o deputado Diego Garcia e outros parlamentares religiosos em busca de um consenso. Uma solução seria ele abrir mão da emenda e que o novo relatório retirasse o termo Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres e citasse ações concretas, como construção de delegacias da mulher, por exemplo.
O principal objetivo das deputadas é que a discussão sobre aborto deturpe o sentido original da proposta e inviabilize a aprovação. “Não queremos no PL referência a esse ponto. Queremos recursos para violência contra a mulher”, afirmou Jô Moraes. “Estamos em esforço com o Maia para que a gente não leve aquele baixo nível da comissão especial da PEC 181 para o plenário”, completou.
O clima de embate entre deputadas e parlamentares conservadores na comissão da PEC 181/2015, apelidada de Cavalo de Tróia, pode dificultar um acordo. Na última terça-feira (21), integrantes do colegiado que discute o texto, tiveram um discussão acalorada, com presença de movimentos sociais. Além disso, deputados da comissão contrários ao fundo não viram com bons olhos a reunião da deputada Soraya Santos com Maia justo no momento de uma reunião do colegiado.
O conteúdo original da PEC 181 tratava da extensão da licença-maternidade para mães de bebês prematuros, mas o relator, deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) incluiu um trecho que prevê que a vida começa na concepção.
Caso a PEC seja aprovada pelo Congresso e promulgada, ela não altera automaticamente as previsões legais do aborto, mas abre caminho para que isso aconteça. Isso porque poderia ser interpretada uma contradição entre a Constituição alterada e o Código Penal, que permite o aborto no caso de estupro e de risco de vida da mãe. Dessa forma, o assunto poderia ser questionado no STF (Supremo Tribunal Federal).
A assessoria de Diego Garcia afirma que ele é a favor do enfrentamento à violência doméstica, mas que é necessária uma garantia de que os recursos não irão para o aborto. O deputado é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida.
Fonte: HuffPost Brasil