O Projeto de Lei Complementar 07/2016, que altera a Lei Maria da Penha, aprovado pelo Senado no início do mês, está causando contradição entre instituições que combatem a violência contra a mulher. Pelo menos seis órgãos manifestaram-se contrários ao projeto, entre eles, a Organização das Nações Unidas (ONU), os Ministérios Públicos dos Estados e da União, e a própria Maria da Penha Maia Fernandes (vítima de violência doméstica que deu nome à lei criada em 2006). O PLC pode ser sancionado ou vetado pelo presidente Michel Temer até 8 de novembro.
(Diário Catarinense, 27/10/2017 – acesse aqui)
A polêmica gira em torno do artigo 12-B que concede poder aos delegados para aplicarem medida protetiva de urgência às mulheres vítimas de violência que estejam em risco. Até então, a medida só poderia ser deferida pela autoridade judicial num prazo de até 48 horas. O PLC faz uma ressalva de que o juiz deverá ser comunicado da decisão do delegado num prazo de 24 horas e poderá manter ou rever os critérios adotados pela polícia.
“Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia da mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência”, diz o artigo.
Entre os pontos considerados positivos pelas instituições no projeto de lei estão a previsão de atendimento policial e pericial especializado — que deve ser prestado preferencialmente por servidoras mulheres, a orientação de evitar a revitimização com sucessivos depoimentos, inquirição da vítima em recinto projetado para esse fim e a criação de delegacias especializadas ao atendimento à mulher, núcleos investigativos de feminicídio e equipes especializadas para o atendimento e investigação das violências graves.
Segundo a doutora em ciências criminais Carmen Hein de Campos, que já foi consultora da ONU Mulheres e assessorou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, a origem do projeto que também prevê melhorias no que diz respeito ao atendimento especializado, acabou perdendo o foco quando incluiu o artigo que permite que a autoridade policial decrete a medida protetiva. Além disso, ela questiona o fato de o projeto ter tramitado sem que houvesse debata com os movimentos feministas.
— O movimento das mulheres considera muito perigosa essa abertura. É muito poder para a autoridade policial num histórico brasileiro de violência policial. Se a gente olhar esse histórico, a polícia não liga a mínima para a violência contra as mulheres — criticou.
Embora entenda que a concessão de medidas deva continuar sob a tutela do Poder Judiciário, a especialista não deixa de contemplar a responsabilidade do Judiciário nesse processo.
— Outro problema é o Poder Judiciário colocando uma série de obstáculos para concessão de medidas protetivas. Mas não é por isso que vai alterar a legislação, pois, certamente ela será objeto de ação de inconstitucionalidade. Não é um inciso que vai promover segurança, é a mudança de cultura — defende.
Já a delegada Patrícia Maria Zimmermann D’Ávila, coordenadora das Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcamis) de Santa Catarina, entende que a alteração na lei vai permitir resguardar com mais rapidez a integridade física da mulher.
— A sensação de impunidade gera resistência. Se o teu companheiro te agride, normalmente ele não vai ser preso em flagrante. Mas, se sair o plantonista atrás dele, ele vai pensar duas vezes antes de te agredir de novo.
Pensando na alteração que pode ser sancionada na semana que vem, a coordenadora promete que pretende capacitar os policiais usando como exemplo a polícia dos Estados Unidos para abordar crimes contra a mulher e facilitar o atendimento.
— O Instituto Avon trouxe esse pessoal do Vital Voices (para o Brasil), com novo modelo de boletim de ocorrência do departamento de polícia da Filadélfia. É um plano de segurança tecnológico e avaliação de risco — explicou.
Os órgãos que consideram a alteração na Lei Maria da Penha inconstitucional e se manifestaram publicamente contra o PLC aprovado no Senado são: o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Instituto Maria da Penha, Instituto Patrícia Galvão, Movimento do Ministério Público Democrático e a ONU Mulheres.
Segundo o Instituto Patrícia Galvão, organização social que atua nos campos do direito à comunicação e dos direitos das mulheres brasileiras, a secretária nacional de Cidadania, Flávia Piovesan, se comprometeu a levar as manifestações das instituições ao conhecimento do presidente.
Por Schirlei Alves
Fonte: Agência Patricia Galvão