“Nesse meio tempo, minha mãe morreu e passei a ter responsabilidade de cuidar dos meus dois irmãos e de minha filha. Meu relacionamento precoce me fez perder o convívio social e a interromper os estudos. Tento reviver o tempo perdido com meus filhos”. Por pressão do marido dez anos mais velho e com obrigações do lar, Daniela parou de dançar.
Em agosto, o Senado pediu em regime de urgência a votação do projeto de lei para proibir o casamento de menores de 16 anos, em qualquer situação. O texto já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, em maio. Caso aprovado pelos senadores, o projeto segue para a sanção do presidente.
Atualmente, adolescentes podem se casar de maneira legal no País. A união é permitida pelo Código Civil, caso a menor esteja grávida ou para evitar que o homem maior seja acusado criminalmente, como por estupro de vulnerável. Jovens de 16 e 17 anos de idade podem se casar tendo apenas a autorização de pais ou representantes legais.
São as chamadas “brechas”, que para os estudiosos do tema inflam índice de gravidez precoce, aumenta índices de violência doméstica e evasão escolar de meninas, as mais prejudicadas por esse tipo de união.
Desde que as “brechas” foram aprovadas juntamente ao novo Código Civil, em 2002, grupos em defesa das mulheres, crianças e adolescentes fazem campanha para revogar o artigo que permite a união. A permissão é herdada do antigo Código Civil, de 1916.
Não à toa, o Brasil é o quarto país com o maior número absoluto de casamentos infantis no mundo, de acordo com um estudo do Banco Mundial, divulgado no ano passado.
O IBGE aponta que pouco mais de 100 mil meninos de 10 a 17 anos estavam casados em 2010. Já o número de meninas na mesma faixa etária era de 554 mil casamentos formais e informais em centros urbanos e rurais.
A ideia do casamento
Para a pesquisadora Viviana Santiago, da ONG Plan Brasil, o casamento infantil reforça papeis de gênero. “Muitas são incentivadas a se casar, muitas vezes de maneira não oficial, só para não ficarem mal faladas, em respeito à religião que seguem, quando perdem virgindade ou engravidam”, explica.
Outro desejo é o de sair de casa. “Algumas meninas têm a ideia do casamento como uma saída para ter autonomia do âmbito familiar. Logo se tornam duplamente vulneráveis, pois ficam sob o domínio e as vontades do homem e da incompreensão da sociedade. Autoridades, como juízes, por exemplo, não a veem como adolescente. Elas fazem parte de lugar nenhum”.
O Projeto de Lei, que pode ser aprovado no Senado, ainda permite o casamento de pessoas de 16 a 17 anos. “[O texto] permanece com uma brecha. Nós defendemos uma legislação que permita apenas que maiores de idade se casem.”, explica Gabriela Mora, responsável pelo tema na Unicef, órgão das Nações Unidas de proteção à infância. “A lei sozinha não vai mudar uma norma social, mas com isso o Congresso nos dá uma oportunidade para discutir o assunto”.
Moradora de Guarulhos, na Grande São Paulo, Daniela, a dançarina que hoje tem 28, passou onze anos de sua vida casada. “Consegui me separar, estudar e conquistar minha liberdade tempos depois. Me sentia escrava. Deveria ter vivido minha adolescência no tempo certo, queria ter tido meu direito de ser uma menina. Minha filha jamais passará por isso, de viver fora do tempo. O casamento não é o futuro para uma menina”, diz.