O Ministério da Saúde realizou nesta terça-feira (28) uma audiência pública para discutir o manual de “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, lançado em 7 de junho. Pelo documento, o governo sugeria que “todo aborto é crime” e que as mulheres que realizassem o procedimento após estupro deveriam ser investigadas —pela lei, a mulher não deve ser criminalizada nesse caso. Diversas críticas foram apontadas por especialistas e pela opinião pública, o que fez o ministério convocar a audiência para debater o tema.
Fizeram parte do debate nomes como as deputadas federais Bia Kicis (PL-DF) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e a deputada estadual Janaína Paschoal (PRTB-SP). Também esteve presente a secretária Nacional da Família Angela Gandra —apontada como uma das pessoas que fez lobby contra o aborto para que a Suprema Corte revogasse o direito—, Lia Zanotta Machado, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o ginecologista Ubatan Loureiro Júnior, o ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Ives Gandra Filho, entre outros.
Uma das principais discussões foi sobre usar o termo aborto legal —alguns defendem que é, outros dizem que continua sendo um crime, mas que não é passível de punição, e não poderia ser chamado de legal por isso.
Boneco de tamanho de feto e fake news.
Conhecido por ter criado um projeto de lei conhecido como “bolsa-estupro”, o que garantiria à vítima de estupro um pagamento para não abortar e criar o filho, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) também esteve na audiência. Em dado momento, mostrou um boneco de um feto, dizendo que aquele era o tamanho alcançado aos sete meses de gestação —o mesmo tempo que a menina de 11 anos estuprada em Santa Catarina tinha na época de seu abortamento. Falou, ainda, que o “estuprador, entre aspas, era um menino de 13 anos de idade, informação que foi escondida da população brasileira”. Usou o argumento para defender que não havia direito ao aborto nesse caso, mas o fato é incorreto. Segundo a lei, qualquer contato sexual envolvendo menores de 14 anos é estupro de vulnerável.
A deputada Bia Kicis disse, durante a audiência, que o que aconteceu com a menina em Santa Catarina não pode ser considerado aborto e que o Ministério Público não tem atribuição para obrigar médico nenhum a fazer o procedimento. Nesse caso, o MPF (Ministério Público Federal) recomendou o procedimento após o hospital se negar a interromper a gestação quando a garota estava na 22ª semana.
Kicis alegou que muitas mulheres dizem ser vítimas de estupro de forma mentirosa para conseguir interromper a gestação, mas não apresentou dados que comprovem a informação, dizendo apenas que, quando acompanhou o assunto no Ministério da Saúde, “a gente via falsas afirmações de estupro”.
Ela também afirmou que não apoia a liberação do aborto, mas disse que entende e respeita a decisão das mulheres que, de fato, sofreram estupro ou que estão com a vida em risco, de tomar uma decisão dessa assistida por um médico preparado pra acompanhá-la.
Exigência de grupo contrário é pela revogação da cartilha
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL – SP), que alegou não ter sido convidada para o evento, por isso chegou apenas no final, também falou. “Fico completamente enojada, revoltada e desgostosa de saber que tem dinheiro público sendo usado para promover a misoginia e o ódio às mulheres e as meninas brasileiras. Dinheiro esse que não está sendo usado para prevenir a violência contra as mulheres.”
“Aqui se promove a investigação das estupradas. Queria saber por que o governo não gasta essa energia para ir atrás dos estupradores? 70% das mulheres estupradas no Brasil têm menos de 18 anos. Por isso, a nossa exigência, e vamos até o fim, é para que seja imediatamente revogado esse documento”, completou Sâmia.
Audiência pública também recebeu ginecologistas
Representantes da medicina que participaram do debate também mostraram opiniões discrepantes. Enquanto alguns ginecologistas defendiam que a vida humana começava na fecundação, outros questionavam esse dado e seguiam defendendo a liberação da mulher de fazer o procedimento mesmo com mais de 20 semanas de gravidez.
O professor Osmar Ribeiro Colas, membro da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista em Lei, da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), foi um dos primeiros a falar. Ele destacou que o Ministério da Saúde realizou que, em 20 fóruns voltados aos cuidados com a saúde da mulher, a entidade sempre foi parceira do órgão do governo mas, desde 2016, as discussões amplas cessaram.
“Achamos estranho nós não estarmos participando junto com o ministério nessa cartilha. O ministério diz que trabalha com aspectos técnicos, mas a comissão nacional especializada não foi convidada a participar desse novo manual”, completou Osmar.
Fonte: Universa