Mulheres que são chefes de família relatam ter o benefício negado e acusam ex-parceiros de fraude
(Celina/O Globo, 14/05/2020 – acesse no site de origem)
“Cidadão ou membro da família já recebeu o auxílio emergencial.” Essa é a mensagem que muitas mães solo estão recebendo ao ter o pedido do benefício criado pelo governo federal para conter os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus negado. Segundo a lei aprovada em abril, mulheres provedoras de famílias monoparentais têm direito de receber duas cotas do auxílio, totalizando R$ 1.200. Na prática, muitas afirmam que seus ex-companheiros usaram o CPF dos filhos do casal para solicitar o benefício.
Foi o que aconteceu com a vendedora Viviane Matias, de 28 anos. Ela fez o cadastro para receber o dinheiro há mais de um mês, mas o pedido foi negado. Mãe solo, ela vive com os filhos de 4 e 7 anos em um bairro da zona leste de São Paulo, mas afirma que o pai das crianças usou o CPF de ambas como se fossem seus dependentes, impedindo que ela recebesse o benefício.
— Me separei há um ano e cinco meses. Antes, tinha um acordo verbal para que ele pagasse uma pensão de R$ 300 para pagar minha tia, que cuidava das crianças quando eu ainda estava trabalhando. Mas, agora, ele fala que não tem dinheiro para pagar e diz que não recebeu nada — conta Viviane, que até meados de março trabalhava como vendedora no comércio popular de 25 de Março, mas sem carteira assinada.
Viviane diz que não há opção no aplicativo da concessão do auxílio para que ela possa refazer o pedido e que não conseguiu atualizar seus dados no Cadastro Único para Programas Sociais, o CadÚnico.
— Enquanto isso, já estou sem dinheiro para pagar meu aluguel. Estamos vivendo com as cestas básicas que recebo e com a ajuda de vizinhos e de familiares — conta.
A história se repete com a motorista de aplicativo Deborah (sobrenome omitido a pedido da entrevistada), de 38 anos. Apesar de morar só com as filhas, uma de 11 anos e a outra de 4, no interior de São Paulo, e ser a única adulta responsável pelas contas do lar, teve o auxílio negado no dia 2 de maio, depois de quase um mês de espera, porque outra pessoa da composição familiar já recebeu o benefício. Ela também alega que seu ex-companheiro usou o CPF das filhas, informando que elas são suas dependentes.
— Eu fiquei desesperada. Perdi minha renda, o aplicativo quase não toca para fazer corridas. E ele sequer paga pensão — diz Deborah. Ela conta que não é a primeira vez que tem conflitos com o ex-companheiro, com quem se relacionou durante 16 anos.
— Eu sofri muito abuso psicológico. Quando me separei de vez, há quase quatro anos, tive que ir para Justiça para que ele pagasse uma pensão. Antigamente, ele pagava jogando as notas amassadas na minha caixa de correio quando bem entendia. Hoje, ele raramente paga, nem moramos mais na mesma cidade. Me mudei para ficar longe dele — relata.
Assim como Viviane, Deborah não conseguiu recorrer da decisão e nem refazer o pedido do auxílio emergencial. Seu ex-companheiro também nega que tenha recebido o benefício, embora em conversas recentes tenha dado indícios a ela de que, na verdade, recebeu.
Até 11 de maio, último dado divulgado pela Caixa, 50 milhões de pessoas tinham recebido os recursos do auxílio emergencial, dos quase 97 milhões de cadastros analisados pelo sistema. A Caixa não informou a quantidade de beneficiárias que já recebeu a cota dupla do auxílio. Para ter direito a ela, é preciso preencher uma série de requisitos.
O aplicativo para cadastro tem um campo em que se pode marcar que a solicitante é mãe chefe de família. Ao selecionar essa opção, ela se candidata a receber a cota dupla. Mas ela só receberá o benefício se for trabalhadora informal, estiver desempregada, trabalhar como autônoma, MEI (microempreendedora individual) ou contribuinte individual à Previdência. A família deve ter renda mensal de até R$ 3.135 ou renda por pessoa de até R$ 522,50. A beneficiária não pode ter recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018. Além disso, não pode ter cônjuge, companheiro ou companheira e deve ter na família pelo menos um menor de 18 anos.
No fim de abril, o Senado alterou o texto da legislação, estendo o benefício de R$ 1.200 a qualquer chefe de família monoparental, independente do gênero. Mas a mudança ainda não foi sancionada. Mesmo assim, pais têm tentando incluir os filhos nos seus cadastros mesmo sem ter a guarda ou não sendo os principais responsáveis pela criação.
— O que consta na lei até o momento é que somente a mulher provedora de família monoparental tem direito a duas cotas. Quando a mulher se separa, normalmente é ela quem fica com o filho. Muitas vezes ela precisa ir à Justiça para que o pai pague pensão alimentícia — explica a advogada previdenciária Elizabeth Teixeira. Ela avalia que, se a mãe solo tiver o benefício negado porque o pai utilizou o CPF dos filhos, o melhor caminho será entrar na Justiça para receber o dinheiro.
Ao relatar seu problema em uma rede social, Deborah recebeu orientações de uma advogada, que agora a auxilia na abertura de uma ação.
— A Deborah preenche todos os requisitos e tem o que chamamos de direito líquido e certo ao benefício. Por uma desorganização administrativa, ela não está conseguindo receber. Por isso vamos entrar com um mandado de segurança, pedindo que o juiz baixe uma liminar determinando que a Caixa faça o pagamento — explica a advogada Juliana Zyahana, que presta auxílio jurídico a ela.
A advogada considera que a alternativa para muitas mulheres que se encontrarem na mesma situação será recorrer ao Juizado Especial Federal, onde é possível abrir uma ação mesmo sem advogado. Ela orienta que a mãe junte a maior quantidade de evidências possíveis que comprovem que é a provedora da família, como contas e contrato de aluguel, fotos e comprovantes de acordo ou pagamento de pensão.
Outra opção é recorrer à Defensoria Pública da União. De olho no problema, o órgão divulgou que está atendendo as mulheres que enfrentam essa dificuldade para receber o auxílio emergencial. As queixas podem ser registradas via formulário, e-mail, ou telefone, a depender do estado.
Questionada se está monitorando possíveis fraudes nos pagamentos devidos às mães solo e se tem números de benefícios em análise nesta modalidade, a Caixa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que divulga apenas os números de benefícios pagos e que a responsabilidade pela análise de quem tem direito ao auxílio é da Dataprev, instituição do governo federal responsável por verificar se o cidadão cumpre todas as exigências previstas na lei, com homologação do Ministério da Cidadania. O ministério e a Dataprev foram procurados, mas não responderam.
A equipe de Celina também pediu uma resposta à Caixa sobre os casos das duas entrevistadas que não conseguiram o benefício de R$ 1.200. O banco reforçou que a responsabilidade pela análise é da Dataprev. O pedido de esclarecimentos foi encaminhado para instituição na quarta-feira (13), às 17h, mas até o fechamento da reportagem, não houve resposta.
Dicas para fazer o pedido
Outras mães solo entrevistadas pela reportagem relatam não ter conseguido receber o auxílio emergencial, seja por ter tido o pedido negado sem justificativa ou porque a solicitação segue em análise, mais de um mês depois de sua solicitação.
A economista e educadora financeira Amanda Magalhães elenca algumas dicas que podem agilizar o processo. Ela é uma das criadoras do portal ajudanacrise.com que reúne informações de medidas financeiras oferecidas pelo governo e pelos bancos durante a pandemia. No site, é possível tirar dúvidas sobre as regras do benefício emergencial com consultores especializados.
Amanda diz que o primeiro passo para pedir o auxílio é se certificar que está acessando o site ou aplicativo oficial, para não ser vítima de fraude. Na sequência, é preciso ler atentamente todos os requisitos para ter certeza de que tem direito ao dinheiro e se certificar de que está com o CPF em dia. Caso precise de alguma regularização, ela recomenda que a solicitante aguarde três dias para fazer um novo pedido, para que o sistema analise os dados atualizados. Outra dica é estar atenta para que todos os dados informados estejam corretos. Qualquer erro pode atrasar a análise, diz Amanda.
Por Leda Antunes