Cida Gonçalves espera que lei que iguala salários inicie um processo de reeducação no país, como aconteceu com a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança
A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira Projeto de Lei (PL) que prevê igualdade salarial entre homens e mulheres. A aprovação do texto, que foi uma proposta do governo federal, é vista pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, como algo tão importante para a redução da desigualdade de gênero quanto a Lei Maria da Penha. Em entrevista ao GLOBO após a aprovação do PL na Câmara, Gonçalves destacou que caso passe no Senado, a nova legislação será fundamental para contribuir com o crescimento econômico do país.
Otimista quanto à aprovação do projeto no Senado, a ministra afirmou que o governo pretende debater com empresas e sindicatos a regulamentação da lei. A expectativa é de que já no segundo semestre a legislação esteja vigente.
A igualdade salarial entre homens e mulheres é uma das principais pautas do Ministério das Mulheres. A pasta trabalha para integrar a Coalizão Internacional de Igualdade Salarial, que inclui entidades como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ONU Mulheres e Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Qual a importância de aprovar esse Projeto de Lei na Câmara?
Para o Brasil, para o processo civilizatório, é um grande avanço. A igualdade nunca foi pauta prioritária e agora passa a ser, porque não tem como ter uma legislação dessa monta, que pese tantos elementos tão importantes para a questão da igualdade, e que não faça a diferença. A gente sempre brinca que era uma coisa antes da Lei Maria da Penha e virou outra depois.
Sei que ainda tem que passar pelo Senado, mas, para mim, acho que vai ser o antes e depois da lei da Igualdade salarial. O que a lei propõe: a questão da transparência, da responsabilização da empresa, acho que dá um outro elemento para igualdade no nosso país.
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O Senado se tornou mais conservador na última eleição. Qual a sua expectativa em relação à tramitação do projeto na Casa?
É a mesma. Eu sei da composição que ele tem, sei dos problemas, não vou dizer ideológicos, mas das questões mais de comportamento, questões mais morais, que foram colocadas no Senado. Mas não acho que o Senado vai ter força suficiente para votar contra um projeto de igualdade salarial. Eles podem querer alterar um item aqui, outro ali, isso faz parte da disputa. Mas não aprovar esse projeto eu acho muito difícil.
Como a pasta fará a articulação para aprovar o projeto no Senado?
O ministério vai entrar nessa discussão. Eu vou conversar com o presidente do Senado, com quem tiver que conversar. Acredito que o ministro (do Trabalho) Luiz Marinho e o ministro (das Relações Institucionais) Alexandre Padilha estarão juntos comigo. Também temos assessoria parlamentar que vai estar acompanhando o processo, e as secretárias da pasta. Temos mérito para negociação, para o debate, e articulação política a ser feita.
Há muitos questionamentos em relação à articulação política do governo. De que forma essa vitória na Câmara contribui para facilitar as relações do governo no Congresso?
Espero que contribua muito, mas o Congresso tem a sua autonomia, ele pode votar um projeto que é do governo com esse índice de votação, mas pode em seguida também derrotar o governo. O Congresso tem a sua própria dinâmica, e esse governo respeita a dinâmica do Congresso. A orientação do presidente Lula é que nós temos que articular, dialogar, conversar e negociar o máximo que for possível com o Congresso.
Caso haja aprovação no Senado, como o governo atuará para fiscalizar o cumprimento dessa lei?
Vamos conversar e discutir os critérios. E tem um processo que é de negociação com as próprias empresas. É um projeto que estabelece a questão da transparência, o aumento da multa, mas queremos negociar com as empresas item por item. Queremos que, muito mais que imposição, seja um processo de reeducação.
Temos um grupo de trabalho para discutir a igualdade salarial e é nesse grupo de trabalho que vamos contribuir. Já tenho discutido com o ministro Marinho quando a gente se encontra para estabelecer a parcerias.
O que não pode ficar de fora do processo de regulamentação para garantir a efetividade da lei?
A primeira, é a questão da transparência, mas também elementos que verifiquem como se dão as formas de discriminação e preconceito em relação à igualdade de homens e mulheres. A outra é a questão da multa, não pode ser uma multa irrisória como a gente tinha na CLT. Precisamos ter uma multa que faça diferença. Sempre brinco que só aprendemos a usar cinto de segurança quando a multa passou a pesar no bolso.
A multa não é porque queremos ganhar dinheiro, porque ela vai para o trabalhador e trabalhadora, mas é no sentido de reeducação. Houve um processo de 10 a 15 anos que reeducou o Brasil a andar com cinto de segurança. Acredito que esse processo é para daqui a 10 ou 15 anos o Brasil não precisar mais desse tipo de coisa, porque as próprias empresas vão ver a diferença.
A igualdade aumenta a rentabilidade da empresa, o PIB, traz uma outra característica de desenvolvimento econômico. A empresa vai ter um prazo para fazer seu ajuste interno. O projeto prevê que a empresa apresente um plano de ação.
No Brasil temos leis que não “pegaram”. Como evitar que essa lei seja uma delas?
Ela tem um apelo público muito forte pelas mulheres, pelos homens, pelo campo democrático. A igualdade hoje é uma urgência, assim como a questão climática. Hoje temos grandes empresas, e a própria bolsa estabelece isso como um critério de desenvolvimento fundamental. Isso é um primeiro elemento para pensar a perspectiva da igualdade enquanto elemento estratégico de desenvolvimento e não apenas única e exclusivamente de direitos.
Há o elemento que vem da análise das próprias empresas, do Banco Mundial, da ONU. Segundo, há uma urgência das mulheres brasileiras com relação à questão da igualdade. E não é só das mulheres sindicalistas e trabalhadoras. Se tiver alguma empresa que não consiga fazer isso, vai ter denúncia. Vamos fazer muita propaganda. Precisamos dizer para 100% da população que esse país tem uma lei de igualdade salarial.
Quais as ideias para efetivar a fiscalização?
A prioridade é garantir que o projeto seja aprovado. A partir disso, começar algumas conversas. Vamos chamar as centrais sindicais, os órgãos representantes das grandes empresas, o Ministério da Indústria vai participar do grupo de trabalho.
Vamos construir um processo de regulamentação que seja viável, porque não podemos fazer uma regulamentação que inviabilize a legislação. Espero que no segundo semestre, mesmo que seja em outubro ou novembro, a gente tenha a legislação aprovada, regulamentada e pactuada, porque para dar certo a pactuação é importante.
A senhora vai chamar empresas para falar sobre a aplicação da lei?
Eu não vou ter preguiça de andar nesse país para conversar com as empresas, pactuar e dizer da importância da implementação da lei.
Como reduzir a resistência do empresariado?
A igualdade vai trazer para eles o que mais buscam: lucro, efetividade, uma maior participação das trabalhadoras na construção da empresa. Só vai trazer benefícios para os empresários, as trabalhadoras e para o Brasil. Vai colocar o Brasil na regra do ranking do Banco Mundial por ter uma lei tão boa. Quem mais vai ganhar é o empresário. Todos nós sabemos o que é a capacidade técnica e profissional das mulheres quando elas têm condições de igualdade.