A semana que antecedeu o Dia Internacional da Mulher foi marcada por avanços dos direitos femininos no Congresso. Na terça-feira (03), a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 8305/2014 do Senado, que considera o feminicídio como crime qualificado. Na quinta (05), passou pelo Senado o projeto de lei da Câmara 16/2013, proposta que garante às mães o direito de registrar os filhos em cartório, dando mais autonomia às mulheres. As duas leis seguem agora para sanção da presidenta Dilma Rousseff.
Mas apesar de comemorarem as conquistas, instituições envolvidas na luta pelos direitos femininos consideram que 2015 será um ano difícil para as mulheres na política, com um Congresso de tendências conservadoras. “Recentemente, mesmo direitos que já haviam sido conquistados, como o atendimento obrigatório no SUS a mulheres vítimas de estupro, com profilaxia à gravidez, já foram alvos de projetos de lei do atual presidente da Câmara (Eduardo Cunha, do PMDB-RJ)”, comenta a pesquisadora Masra de Abreu, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA).
Atualmente, há 1.754 propostas sobre a mulher em tramitação na Câmara, com temas que envolvem questões diversas como aborto, direito à amamentação no emprego e isonomia salarial, entre outras. Veja abaixo nove propostas que tratam dessas e outras questões consideradas essenciais por entidades de defesa dos direitos femininos.
1 – Recursos contra a violência
O projeto de lei 7371/2014 propõe a criação de um Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Segundo o texto, criado pela CPMI da Violência Contra a Mulher, os recursos viriam tanto do orçamento da União quanto de doações de entidades e empresas interessadas em contribuir e seriam empregados em ações como a criação de mais Delegacias da Mulher e de varas especiais na Justiça, além de na contratação de profissionais para o atendimento às vítimas.
“Alguns dispositivos da Lei Maria da Penha ainda não foram implementados por falta de recursos públicos. Mesmo em algumas capitais, o atendimento às mulheres que sofreram violência muitas vezes é deficiente”, afirma Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão. O projeto está pronto para ser votado na Câmara.
2 – Amamentação no trabalho
De autoria da ex-senadora e hoje deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), o PL 4550/1998 exige que as empresas com mais de 30 trabalhadoras tenham um local apropriado para os filhos das empregadas que tenham até seis anos de idade, possibilitando a amamentação.
“O projeto aumenta o limite de tempo que as mães trabalhadoras têm para amamentar seus filhos nessas creches, que atualmente é de seis meses”, explica a advogada especializada em direito de família Maria Alice Azevedo Marques. Atualmente, esse benefício já é previsto pela CLT, mas muitas empresas acabam optando pelo pagamento do auxílio-creche ou pelo convênio com creches externas. “Se aprovado, as mães poderão ter mais tranquilidade para exercer sua profissão, podendo amamentá-los por um período maior”, defende a advogada. O projeto aguarda votação na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.
3 – Mulheres no poder
A garantia da representação de ambos os sexos nas mesas diretoras da Câmara dos Deputados, do Senado e das Comissões é o que defende a proposta de emenda à constituição 590/2006, da deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). O projeto não prevê um número mínimo ou um percentual de vagas, mas determina que cada sexo ocupe pelo menos um posto.
“A democracia deve ser a expressão da pluralidade da sociedade, mas hoje o que temos é a exclusão de mulheres e de minorias das decisões políticas”, analisa a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), líder da bancada feminina na Câmara. “Uma maior presença feminina significaria não só a defesa dos direitos femininos, mas uma representação mais igualitária da sociedade”, completa.
A proposta está pronta para votação no plenário da Câmara.
4 – Trabalhadores e trabalhadoras domésticas
Em 2013, as trabalhadoras e trabalhadores domésticos do país conseguiram a aprovação da emenda constitucional 72/2013, que garantiu a eles direitos como seguro-desemprego, FGTS, adicional noturno e horas extras. Mas desde sua promulgação em 2014, a lei aguarda a votação de sua regulamentação no Congresso. Questões como o valor da hora extra e do salário-dia, o seguro-desemprego e o percentual do salário a ser depositado pelo empregador na conta do FGTS do funcionário ainda precisam de definições específicas.
Para a Secretaria de Políticas para Mulheres, enquanto não sair a regulamentação, cada patrão poderá agir à sua maneira, colocando em risco os direitos conquistados. Em abril do ano passado, o plenário aprovou urgência para votação da regulamentação. Após ser apreciado na Câmara, o texto voltará para o Senado.
5 – Isonomia salarial
Os PLs 371 e 1123 de 2011 preveem punições e mecanismos de fiscalização contra a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Pelo texto, caberia à Receita Federal a criação de um aplicativo para fiscalização das empresas, que poderiam ser multadas se desrespeitassem essa isonomia.
O artigo 461 da CLT já prevê a igualdade de salários para funções idênticas, independente de sexo, nacionalidade ou idade, mas segundo a advogada Maria Alice Azevedo Marques, extraoficialmente as empresas ainda tendem a pagar menos às mulheres. “Se aprovada a proposta, essa desigualdade ficará mais exposta, e os empregadores menos propensos a fazer essa distinção”, opina.
O texto aguarda votação na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.
6. Contra a discriminação
Outros projetos que buscam mais igualdade nas relações profissionais são os PLs 6653 e 4857, ambos de 2009, que criam formas de coibir e prevenir a discriminação contra a mulher no ambiente de trabalho. O texto propõe tanto ações contra a discriminação e o assédio sexual e moral no trabalho quanto medidas favoráveis à equiparação salarial entre os sexos.
A proposta já passou por três comissões da Câmara, mas tem enfrentando dificuldades para ser votado no plenário. “Há quem defenda que os critérios que definem discriminação são muito subjetivos, e que as empresas podem ser punidas injustamente”, explica Jô Moraes.
7 – O fim da revista íntima
A bancada feminina da Câmara também acompanha a tramitação do projeto de lei do Senado 480/2013, que determina o fim da revista íntima para visitantes de presídios. Segundo a Secretaria de Política para as Mulheres, a aprovação beneficiaria principalmente as mulheres que visitam seus companheiros na prisão. O texto aguarda votação na Comissão de Segurança Pública da Câmara.
8 – O significado de “família”
O PL 6583/2013, do deputado federal Anderson Ferreira (PR/PE) cria o Estatuto da Família, que define como família apenas como o núcleo formado pela união entre homem e mulher e seus descendentes. O texto exclui qualquer outro arranjo familiar de direitos garantidos pelo estado, como saúde, alimentação, educação e cidadania.
“A proposta vai contra a tendência de reconhecimento de novos arranjos familiares, que já é realidade em muitos países” afirma Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão. Na prática, o projeto se traduz em menos direitos para casais homossexuais, como herança, plano de saúde compartilhado e direito a acompanhamento pelo companheiro em caso de internação hospitalar.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, que passaram a ter os mesmos direitos de casais heterossexuais. Atualmente, tramitam na Câmara PLs como 5120/2013, dos deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF), que pretende transformar em lei a decisão do Supremo. Ao mesmo tempo, o projeto de decreto legislativo 637/2012, do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), quer sustar a decisão que reconhece como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo. Outro projeto de Feliciano, o PDC 521/2011, sugere a realização de um plebiscito sobre o reconhecimento legal de uniões homossexuais.
9 – Mais rigor contra o aborto
Três projetos em tramitação querem fechar o cerco contra o aborto.
O PL 4703/1998 sugere a inclusão da interrupção da gravidez entre os crimes considerados hediondos, como homicídio qualificado, latrocínio e estupro. Em 2011, a Comissão de Seguridade Social e Família rejeitou quatro projetos com essa proposta.
Já o PL 478/2007 – o Estatuto do Nascituro – e a PEC 164/2012, de autoria do atual presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), propõem a criminalização das exceções atualmente permitidas para o aborto. Os dois projetos querem reconhecer os direitos civis de qualquer embrião, incluindo aqueles que são frutos de estupro, anencefálicos ou que causem risco de vida à mulher. Dessa forma, a Justiça consideraria qualquer tipo de aborto um crime. O Estatuto do Nascituro, dos ex-deputados Luiz Bassuma e Miguel Martini, ainda prevê o pagamento de uma pensão alimentícia às crianças nascidas de violência sexual, no valor de um salário mínimo, até os 18 anos de idade. Atualmente, os dois projetos também aguardam votação na CCJ.
Desde 2008, o projeto que sugeria a descriminalização do aborto, o PL 1135/1991, está arquivado, após ser rejeitado em duas comissões da Câmara.
Fonte: EBC
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