Prefeitura da capital paulista diz que, apesar da descontinuidade no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, o procedimento segue sendo realizado em outras quatro instituições municipais
Ao menos 20 meninas e mulheres procuraram o Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista, para realizar um procedimento de aborto legal desde que o serviço foi suspenso pela Prefeitura de São Paulo, há cerca de três semanas. Nenhuma delas foi atendida.
O número é contabilizado pelo Projeto Vivas, organização que se dedica a viabilizar o acesso à interrupção legal e foi procurado pelas duas dezenas de pacientes —em sua maioria, vítimas de violência sexual.
Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), a paralisação do serviço no hospital é temporária e serve para dar lugar a “cirurgias eletivas, mutirões cirúrgicos e outros procedimentos envolvendo a saúde da mulher”. A prefeitura não informa quando a realização do aborto legal será retomada no local.
Duas meninas que deixaram de ser atendidas pelo hospital municipal só puderam interromper suas gestações após serem levadas pela ONG a unidades do SUS (Sistema Único de Saúde) em outros estados. Uma delas, de 12 anos de idade, foi para Uberlândia (MG). A outra, de 15 anos, viajou a Salvador. Ambas foram vítimas de estupro.
Diretora-executiva do Projeto Vivas, a advogada Rebeca Mendes afirma que as jovens, que já haviam enfrentado episódios de violência, se viram revitimizadas depois de procurarem o hospital, considerado referência para casos como os seus, e terem o acesso ao serviço negado.
“As duas estavam muito fragilizadas”, afirma Mendes. “As mães estavam descrentes e desesperançosas de que conseguiriam garantir o direito das filhas. Elas contavam que as meninas estavam tristes, com vergonha de as amigas descobrirem a gestação, e estavam afastadas da escola.”
No início desta semana, a coluna revelou o caso de uma mulher adulta, também vítima de violência sexual, que enfrentou um périplo para conseguir realizar o procedimento em outro hospital depois de ter o seu agendamento no Cachoeirinha desmarcado, em razão da decisão da prefeitura.
A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo diz que outras quatro instituições municipais referenciadas para os casos de aborto legal seguem realizando a interrupção.
“As pacientes que tinham procedimento agendado foram devidamente orientadas pela equipe a procurarem, conforme escolha pessoal, um dos hospitais da rede municipal ou estadual referenciados para realizarem o procedimento de aborto legal previstos em lei, conforme prevê o Código Penal brasileiro”, diz a pasta, em nota.
“Cabe ressaltar que a interrupção da gestação é realizada nos casos amparados por lei, independentemente do período gestacional, conforme estabelece a legislação”, acrescenta.
A diretora do Projeto Vivas afirma, porém, que nenhum dos equipamentos da capital paulista tem realizado o procedimento acima de 22 semanas de gestação —daí a necessidade de se procurar hospitais de outros estados.
“Eles se baseiam em uma norma técnica de 2012 que o próprio Ministério da Saúde já falou que é ultrapassada. A lei, que é o que importa, não determina [um limite para a interrupção]. Mesmo assim, continuam a usar essa desculpa”, diz Mendes.
Embora a legislação brasileira não estabeleça qualquer limite temporal para a realização do aborto legal, é comum que serviços públicos de saúde criem seus próprios limites, baseando-se ou não em notas técnicas emitidas por órgãos oficiais.
A falta de padronização tende a dificultar o acesso de meninas e mulheres aos seus direitos reprodutivos, como já mostrou a coluna.
As outras quatro instituições municipais referenciadas para os casos de aborto legal que seguem realizando o procedimento em São Paulo são o Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé), Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo), Hospital Municipal Tide Setúbal e Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni (Jardim Sarah).
No Brasil, o aborto é previsto em lei quando há risco à vida materna, em casos de estupro e de gestação de feto anencéfalo.
Fonte: Folha de S. Paulo