Documento serve de guia para contas institucionais, mas Planalto orienta aplicação também em perfis pessoais
Com a sucessão de casos que provocaram desgastes para o governo após manifestações de servidores em redes sociais, o Palácio do Planalto reforçou a atuação para evitar postagens que causem embaraço e intensificou a divulgação de uma cartilha de uso das plataformas, lançada em setembro. No fim do mês passado, uma assessora do Ministério da Igualdade Racial publicou posts ofensivos aos paulistas durante a final da Copa do Brasil. Nesta quarta-feira, o presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Hélio Doyle, foi forçado a pedir demissão após endossar um comentário que afirma que quem apoia Israel é “um idiota”.
Para tentar conter os servidores, o Ministério da Secretaria da Comunicação Social (Secom) tem orientado que sejam seguidos os princípios presentes em uma cartilha produzida em setembro com orientações para publicações nas contas institucionais do governo. O “Guia de Boas Práticas para Atuação nas Redes Sociais do Governo Federal”, ao qual O GLOBO teve acesso, foi distribuído para todos os ministérios para nortear a atuação das equipes digitais nas plataformas. Informalmente, o governo tem solicitado que as regras do guia também sejam aplicadas aos perfis particulares de quem possui cargo de confiança na gestão petista.
O guia traz recados para integrantes da gestão Lula sobre efeitos de publicações inadequadas. Um trecho diz: “Todas as informações publicadas na internet têm o potencial de permanecer lá para sempre. Mesmo que você se arrependa e apague, há sempre a possibilidade de alguém ter registrado o conteúdo. Esse histórico poderá ser compartilhado por qualquer pessoa, em qualquer rede social. É extremamente difícil, se não impossível, eliminar completamente um conteúdo da internet.”, afirma a cartilha. “Cuidado ao curtir e compartilhar publicações. Até mesmo um like pode ser interpretado como endosso. Seja sempre respeitoso com o usuário, evite polêmicas e, principalmente, não entre em discussões”, diz outro trecho.
Na quarta-feira, Hélio Doyle, então presidente da EBC, republicou uma postagem do ilustrador brasileiro Carlos Latuff, que se declara pró-Palestina nas redes sociais. A publicação foi feita em seu perfil no X (antigo Twitter). “Não precisa ser sionista para apoiar Israel. Ser um idiota é o bastante”, dizia o texto.
Esse foi o segundo caso de grande repercussão por causa de postagens de integrantes do governo em menos de um mês. No dia 24 de setembro, Marcelle Decothé da Silva, chefe da assessoria especial do Ministério da Igualdade Racial, acompanhava a ministra Anielle Franco em uma atividade oficial no Estádio do Morumbi, onde São Paulo e Flamengo se enfrentavam pela final da Copa do Brasil. Torcedora do Flamengo, Marcelle postou uma foto da torcida do São Paulo no Instagram e escreveu: “Torcida branca que não canta, descendente de europeu safade. Pior tudo de pauliste.” No dia seguinte, Anielle Franco foi orientada por ministros do Planalto a demitir a assessora para evitar que a crise pudesse escalar ao seu próprio gabinete. A decisão foi difícil para Anielle, pois Marcelle, além de ser considerada uma assessora qualificada, trabalhou com sua irmã, a vereadora Marielle Franco, executada em 2018 no Rio.
Munição ao bolsonarismo
Antes desse episódio, integrantes da Secom já vinham identificando outras postagens que geravam mal-estar, porém com menos repercussão, e decidiram montar o guia. Pessoas envolvidas na elaboração das regras, no entanto, admitem que embora exista a orientação, as pessoas não são controláveis e que até mesmo ministros podem cometer deslizes nas redes.
Outra ponderação feita por auxiliares do presidente é de que nos últimos anos, e especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro, pessoas que hoje integram o governo Lula se sentiram cerceadas de emitirem opinião nas redes sociais e que agora, com a volta do PT ao poder, se sentem mais à vontade para se manifestar.
Uma das preocupações do Planalto, no entanto, é evitar que deslizes nas redes sociais de integrantes do governo sejam usados como munição pelo bolsonarismo e acabem dominando o debate nas redes sociais. O governo tenta se afastar de pautas identitárias e de costumes.
No começo de outubro, a gestão petista teve que lidar com um outro caso que ganhou repercussão nas redes sociais, mas não por causa de postagens de integrantes do governo. Um vídeo de um evento do Ministério da Saúde que mostrava uma pessoa dançando uma versão da música ‘Batcu’, de Aretuza Lovi, e rebolando para a plateia, começou a circular no dia 6 de outubro. O episódio irritou ministros do Planalto e a titular da Saúde, Nisia Trindade, recebeu a mesma orientação dada a Anielle Franco: demitir os envolvidos. O diretor do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde da pasta, Andrey Lemos, responsável pela realização do evento em ocorreu a apresentação, acabou sendo desligado do ministério.
Foco na agenda
Entre as orientações do guia preparado pela Secom estão a de não enaltecer ministros e secretários com declarações personalistas. O Planalto orienta que postagens devem ter foco na agenda e não na pessoa. No mesmo sentido, o texto orienta evitar expressões como “governo Lula” e usar, sempre, “governo federal”. Outra determinação é não bloquear contas de pessoas que tenham feito críticas ao governo nas redes sociais. No começo de outubro, em meio às críticas sobre atuação do governo na área da segurança pública, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, bloqueou jornalistas e pesquisadores que o criticaram. O secretário acabou desbloqueando os perfis dias depois.
Dentro do guia, há também orientações da Secom para momentos de crise: “Agir com organização e calma. Manter autoridades superiores informadas para que participem da estratégia de defesa; escuta e análise das redes para medir repercussão; identificação da origem, e unificação do discurso para resposta.”