Nadine Gasman afirma que país avançou na luta por equidade de gêneros, mas não o suficiente
(O Globo, 21/04/2019 – acesse no site de origem)
Especialista em Saúde Pública pela Universidade Harvard e doutora em Gerenciamento e Políticas da Saúde pela Universidade Johns Hopkins, Nadine Gasman assumiu, em fevereiro, o comando do Instituto de Mulheres do México, o equivalente ao Ministério da Mulher no governo de Andrés Manuel López Obrador.
Ela diz que sua experiência como representante da ONU Mulheres no Brasil — que ainda tem “grandes desafios para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres” — a ajudará no novo cargo. Nadine, que trabalhou no País entre julho de 2013 e fevereiro de 2019, elogia o aumento do número de parlamentares femininas no Congresso, mas lembra que o país ainda está longe da paridade entre os gêneros na política e no mercado de trabalho.
O GLOBO: Como foi assumir a pasta das mulheres no México?
NADINE GASMAN: Poder voltar para o meu país, para um cargo dessa envergadura, é um privilégio. No México, temos um governo trabalhando em mudanças significativas, com a equidade e a justiça social no centro de suas políticas. Isso dialoga com quem eu sou e, na minha trajetória, acredito que as vivências que tive no Brasil serão muito úteis.
A atual ministra da Mulher, Damares Alves, tem dado declarações polêmicas sobre diversidade. Isso afeta os avanços dos últimos anos?
O Brasil tem dado essa oportunidade de pensar na situação das mulheres. Não podemos deixar ninguém para trás. Precisamos falar das mulheres negras, das indígenas, das brancas, das que vivem no campo. O Brasil tem que manter o foco nos compromissos internacionais que integram sua agenda, que é uma agenda de desenvolvimento sustentável, tanto econômico e social quanto ambiental.
E o que tem funcionado?
Algo que tem dado muito certo é o Plano Nacional de Política das Mulheres, em que há uma construção conectiva, feita desde as mulheres nos municípios, identificando quais são os principais desafios nesse caminho. É um trabalho que tem dado palco para diferentes temas. O plano tem o caminho para combater a violência, para o empoderamento econômico, para o desenvolvimento urbano. Lá, vemos que há continuidade, apesar das mudanças de governo, com diferentes ideologias. O objetivo de qualquer governo é melhorar as condições de vida da população. E, para isso, é preciso ter um olhar para as mulheres. Sem este foco, você não entende o que é específico das mulheres, das negras, das indígenas. A mortalidade materna é três vezes maior entre as negras do que entre as brancas, e ainda maior entre as mulheres indígenas. É um olhar técnico de políticas públicas e para o qual o plano é muito importante.
Ter mais mulheres no Congresso pode ajudar na elaboração de políticas melhores nessa área?
O aumento da presença feminina no Parlamento é significativo, subiu 52% em comparação à legislatura anterior, embora seja ainda muito pequeno no total, de apenas 15%, se comparado com a média da América Latina e de países como o México, que têm a paridade. Mas há um interesse do grupo das parlamentares de atuar de forma conjunta. É muito cedo para falar sobre o impacto disso nas políticas públicas, mas a sensação é de mais atividade.
Ampliar a representatividade por si só é um avanço?
Sim. Pela primeira vez, temos uma parlamentar indígena, o número de parlamentares negras aumentou, o de jovens também. Há uma energia muito interessante, um interesse de muitas das parlamentares em trabalhar no tema dos direitos das mulheres. Vamos ver o que vai acontecer nos próximos quatro anos.
É difícil sensibilizar as pessoas sobre a violência contra a mulher?
Existe uma ideia de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Temos feito muitas campanhas para mostrar que não é assim, mas os casos recentes mostram que temos de fazer mais. Ninguém tem de ficar olhando, o mínimo que se pode fazer é ligar para a polícia, para o 180 (Central de Atendimento à Mulher). É preciso buscar formas de trazer ajuda rápida para essa mulher que sofre violência. Intervir e fazer algo para ajudar uma mulher que está sendo agredida é responsabilidade de todos e de todas.
As mulheres seguem sub-representadas no mercado de trabalho. Como mudar isso?
No Brasil, apenas 13% dos CEOs são mulheres e só 0,5% são mulheres negras. É preciso revisar as políticas internas das empresas, combater os vieses inconscientes, dar condições para que as mulheres possam subir e trabalhar para que as empresas entendam que elas também podem estimular a corresponsabilidade entre homens e mulheres no cuidado dos filhos, da casa. A diferença entre as licenças maternidade e paternidade reforça a superjornada da mulher. As companhias também podem impactar sua cadeia de fornecedores e clientes não comprando ou não contratando empresas que não tenham políticas internas de igualdade de gênero.
Faltam condições para que a mulher tenha apoio para se dedicar ao trabalho?
Muitas mulheres não podem avançar na carreira porque a sociedade quer que elas cuidem da casa, do marido, do filho, dos idosos. E faltam políticas públicas para esses cuidados, investimentos em creche. Para a ONU Mulheres, um ponto importante no empoderamento econômico é o que as prefeituras podem fazer para apoiar esse cuidado. É algo que atinge essencialmente as mulheres porque, socialmente, a expectativa é que elas façam esse trabalho que deveria ser compartilhado com os homens.
Glauce Cavalcanti
Fonte: Agência Patrícia Galvão