Na internet, elas propõem ajuda para cuidar de filhos das candidatas durante realização da prova, em novembro
Mulheres de diversos Estados do País estão divulgando uma campanha nas redes sociais para ajudar mães que prestarão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste ano. Em páginas de grupos feministas e em seus próprios perfis, elas se oferecem para cuidar dos filhos das candidatas durante a realização do maior vestibular do País, que acontecerá nos dias 5 e 6 de novembro deste ano.
A publicitária Larissa Magalhães, de 29 anos, de Belo Horizonte (MG), é uma das voluntárias. “Tenho uma bebê de 1 ano e 3 meses e sei o quanto é difícil trabalhar e estudar sendo mãe. Então se você é mãe (ou conhece alguma mãe) que vai fazer Enem e não tem com quem deixar o(a) filho(a), me mande inbox. Podem ficar tranquilas e não tenham medo. Se quiserem me conhecer antes, podemos marcar!”, escreveu ela em sua página no Facebook. A reportagem encontrou mensagens do tipo divulgadas em grupos de São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Rio de Janeiro, além de publicações nas páginas de mulheres de outros Estados.
Larissa disse que viu a campanha em um grupo feminista no Facebook e decidiu aderir. A experiência de trabalhar, estudar e ser mãe ao mesmo tempo a inspirou. “Não tenho babá, escolinha e minha mãe às vezes ajuda quando pode. Hoje trabalho e cuido da minha filha junto com meu marido”, diz.
A atriz Rafaella Ivanov, de 22 anos, moradora de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, diz que tem procurado candidatas que precisem da ajuda fora das redes sociais. “Há muitas meninas no meu Facebook que são mães aos 17, 18 anos. Por que não ter empatia por elas? Talvez eu precisasse de alguém para cuidar de um filho, se tivesse na época em que fiz o Enem”, disse. Um dos problemas, segundo ela, é o receio de muitas mães. “Elas me disseram que não deixariam os filhos com alguém desconhecido”.
Em Sorocaba, a 90 quilômetros de São Paulo, estudantes da Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi) também aderiram à campanha e até já conseguiram um espaço para levar as crianças. O Coletivo Feminista Salvadora Lopes, de alunas da instituição, decidiu organizar a proposta na cidade, já que diversas mulheres já haviam se manifestado em suas próprias páginas. “Por sermos um coletivo da faculdade, que é bastante tradicional na cidade, achamos que passaríamos mais segurança para as mães que precisarem da nossa ajuda”, disse o coletivo, em nota.
A estudante Luiza Thomé, de 21 anos, inspirou outras jovens a participar da campanha. Ela é dona de uma página no Facebook que reúne mulheres de diversas cidades. “Houve uma pequena mobilização em um grupo que participo para que a campanha fosse feita e foi por lá que fiquei sabendo. Pensei em expandir isso, e postei em diversos grupos feministas com o intuito de obter a maior quantidade possível de adesão que felizmente foi o que aconteceu”, disse. “Houve bastante adesão, de meninas não apenas da capital de São Paulo, como do interior, Salvador, Curitiba, Belo Horizonte e outras regiões”.
Mães. No Cursinho da Poli, na capital paulista, ao menos 20% dos 8 mil alunos já são mães, segundo estimativa da coordenadora Alessandra Venturini. A maioria tem mais de 30 anos e já tem emprego. “Há um certo preconceito e muitos acham que, se é mãe, não precisa estudar. Se é mãe, acham que é só cuidar do filho e mais nada”, disse. Para a coordenadora, essas candidatas têm mais dificuldade na hora do exame, já que enfrentam uma pressão dupla. “Quando a candidata está na reta final, ela percebe que precisa focar no estudo. Mas o lado mãe sempre fala mais alto, e aí acontece aquela luta”.
A estudante Alessandra de Aguiar Tozzo, de 32 anos, divide o dia entre as aulas no cursinho e os cuidados com a filha Júlia, de 4 anos. Na correria entre a creche e o cursinho, muitas vezes deixa de assistir parte das aulas. “Acabo perdendo as primeiras aulas e entrando na segunda. Isso já me deixa em desvantagem em relação aos concorrentes, que estudam em tempo integral”, disse. Formada em Sistemas de Informação, ela se diz insatisfeita com a profissão e quer mudar de área. “Quero fazer Letras USP e trabalhar como editora. Quem sabe, um dia, escrever minhas publicações”, contou.
Para ela, mulher divorciada, em muitos casos as mães são postas de lado não só nos estudos, mas também no trabalho e em outras esferas da vida social. “A maternidade acaba ficando totalmente a cargo da mulher. Muitas vezes o pai pega a criança a cada quinze dias ou uma vez por mês. Toda a responsabilidade acaba ficando com a mulher, que abdica de muita coisa para exercer uma função que deveria ser dividida com o pai”.
Graduação. Se no vestibular a rotina é complicada, na graduação não é diferente. A estudante do 1º ano de Gestão de Políticas Públicas na USP Leste Ana Paula Vasconcelos, de 39 anos, até leva a filha de 7 anos para a sala de aula. “Em alguns dias meu ex-marido não consegue levá-la para a creche, eu tenho de levá-la”. A estudante mora na Lapa, a 35 quilômetros de onde estuda. “E não sou a única. Em outros cursos, como obstetrícia, também já vi mães que levam filho na sala. No meu caso é até mais fácil, porque minha filha não é tão pequena assim”, disse. Apesar das dificuldades, ela diz que também participará da campanha no dia do vestibular. “As mulheres têm de lutar pelas mulheres. A gente sabe as demandas e, infelizmente, o meio acadêmico é excludente a quem tem filhos. Adoraria ter tido esse tipo de ajuda no vestibular”, conta.
Fonte: Estadão