Médica, pesquisadora e fundadora da ONG Criola fala sobre as principais pautas da mulher negra hoje
As mulheres negras estudam menos, têm salários menores, são as maiores vítimas do desemprego, sofrem mais violência e têm menor representatividade política. Para conversar sobre todas as problemáticas do que é ser mulher negra no nosso país, o Brasil de Fato conversou com a médica e doutora em Comunicação e Cultura, Jurema Werneck. Nascida no Morro dos Cabritos, em Copacabana, Jurema é uma das fundadoras da ONG Criola, que trabalha no fortalecimento das mulheres para enfrentar o racismo.
Brasil de Fato – O que é ser mulher e negra hoje no Brasil?
Jurema Werneck – A gente é mulher negra, não mulher e negra. É uma experiência compacta, inteira e singular, que traz vários reflexos em nossa vida. Um deles é a exclusão que o racismo patriarcal produz. Somos colocadas à margem, vivemos na extrema pobreza, excluídas da sociedade, da educação, da saúde. Mas não é só coisa ruim. Somos herdeiras de mulheres que lutaram e construíram a própria força. Temos como referência outras mulheres negras, que nos ensinam como somos capazes de resistir.
Brasil de Fato – Apesar da desigualdade de gênero ser enfrentada por todas as mulheres, é mais gritante para mulheres negras. Por quê?
Porque a linha de cor se coloca antes do gênero. Você pode me comparar com uma mulher branca nascida na mesma época, no mesmo lugar, com o mesmo nível de escolaridade, que vai ter diferença. Existe uma relação desigual que começa do homem branco, passa pela mulher branca, depois vem o homem negro e a mulher negra fica por último. A contradição maior está no nível de escolaridade já que as mulheres, brancas e negras, estão acima dos homens. Mesmo assim não é suficiente para superar as inúmeras diferenças.
Brasil de Fato – Quais são as principais demandas da mulher negra hoje?
Como ideais queremos a igualdade, para partilhar tudo o que está posto para os outros, e equidade para fazer justiça, reivindicando ações que superem o fosso que a linha racial nos coloca. No cotidiano, queremos ser tratadas com respeito, dignidade, ter reconhecimento integral dos direitos, acesso à saúde pública de qualidade. Não tem um pedacinho que nos contemple, a gente quer mudança por inteiro.
Brasil de Fato – O Brasil avançou no enfrentamento ao racismo nos últimos anos?
Sim e não. Avançou no sentido de que a questão está mais posta para todo mundo, antes só nós, negros, lidávamos com isso, agora a sociedade e o Estado estão incluídos. Porém, o que foi desenvolvido em políticas públicas nos últimos anos é muito pouco. Conseguimos mais conquistas formais do que concretas, através de estruturas nada sólidas. A prova disso é que bastou o grupo de golpistas entrar para tudo cair por terra.
Brasil de Fato – Como vê a questão da saúde pública para mulheres negras?
As mulheres negras são as que mais adoecem e as que menos têm acesso a serviços de qualidade no SUS. Já houve casos de negros que não recebem anestesia e analgésicos porque são negros, pela justificativa de aguentar mais a dor. Um absurdo completo. A “Política Nacional de Saúde da População Negra” é um projeto de lei engavetado, que quase ninguém sabe que existe.
Brasil de Fato – Qual a maneira de enfrentar o racismo?
Através de uma mobilização permanente e cotidiana. Em diferentes níveis para brancos e negros. Todo mundo deve questionar a voz interna da ideologia, seja vendo desenho animado na TV ou no bar tomando cerveja. Depois que se abrem os olhos conseguimos ver que o racismo está em todo o lugar, ideologia é isso. Precisamos lutar por politica públicas limitadoras do racismo, que eduquem a sociedade para construir uma nova forma de operar. Também precisamos redistribuir renda, que continua sendo construída em costas negras. E não é só através do Bolsa Família que vamos conseguir.
Fonte: Brasil de Fato